

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 148 - 163, Janeiro/Abril 2018
159
A matéria exclusivamente fática constitui a causa de pedir remota. Já
a qualificação jurídica dos fatos, a
causa petendi
próxima.
23
Não obstante o legislador exija a indicação na inicial do fundamento
jurídico do pedido, considerando essencial, portanto, a causa de pedir pró-
xima (CPC, art. 319, III), doutrina e jurisprudência acabam por aproximar
esse elemento da denominada fundamentação legal. Como consequência,
reconhece-se a possibilidade de o juiz alterar a fundamentação jurídica, sem
que isso implique modificação da causa de pedir. Aplica-se a regra
iura novit
curia
, pois o limite à atividade do julgador estaria restrito à matéria fática.
24
Admitida tal premissa, toma-se difícil, senão inócua, a distinção entre
fundamento jurídico e fundamento legal. A matéria fática seria, portanto, o
dado fundamental à caracterização da causa de pedir. Ocorre que, para sele-
ção dos fatos da vida, com base em que se pretende determinada consequên-
cia jurídica, é necessário levar em conta a descrição fática feita abstratamente
pelo legislador. Somente aqueles previstos na norma, tal como entendidos
pelo juiz, são relevantes.
É extremamente complexa a exata configuração da causa de pedir
próxima, pois a separação entre fato e direito nem sempre pode ser feita
com facilidade.
denominado pela doutrina de doutrina de causa ativa, ao passo que o fato do réu contrário ao direito seria a causa passiva
(A
causa petendi,
p. 154; no mesmo sentido, com menção a vários autores, Milton Paulo de Carvalho, Do pedido..., p. 94).
23 A distinção entre fato e fundamento jurídico, bem como entre este último e fundamento legal não se revela muito clara
na doutrina. Segundo Franciso Javier Ezquiaga Ganuzas, a causa de pedir é representada por fato qualificados juridica-
mente: “Es decir, se alegan hechos puestos en relación con una norma jurídica cuyo supuesto de hecho, a juizio de quien
los invoca, los contempla en abstracto. EI motivo de hacerlo así es que se pretende que, probada la identidad entre los
hechos del caso y el supuesto de hecho normativo, se prduzca la consecuencia jurídica prevista en abstracto en esa norma
para todos los casos que entren en ese supuesto de hecho” (
“Iura novit cúria” y aplicación,
p. 64). Em outra oportunidade, o
autor identifica qualificação jurídica com a subsunção dos fatos concretos à descrição fática feita em abstrato pela norma
jurídica (ob. Cit., p. 72 e nota 16). Para José Rogério Cruz e Tucci, da exposição da causa de pedir remota infere-se a rela-
ção fático-jurídica existente entre as partes. O enquadramento da situação concreta, narrada
in status assertionis
, à previsão
abstrata contida no ordenamento jurídico, do que decorre sua juridicidade, configuraria a causa de pedir próxima ou geral,
operação que, a seu ver, não se confunde com a indicação do dispositivo legal pertinente, função conferida ao juiz (A
causa
petendi,
p. 155.) Milton Paulo de Carvalho, após afirmar que o fundamento jurídico decorre da conjugação da causa remota
com a pretensão formulada, conclui que esse elemento “constitui a valoração, a relevância que o fato tem para o direito,
a estimação de que tal fato decorre o efeito jurídico pretendido (...) importa é distinguir, ainda que, por dedução, o liame
jurídico entre o fato, como causa, e o pedido, como efeito” (Do pedido, pp. 94/95).
24 Por todos, v. José Rogério Cruz e Tucci, A
causa petendi
, pp. 160 e ss. Francisco Javier Ezquiaga Ganuzas, após carac-
terizar a qualificação jurídica como a relação entre os fatos e a norma jurídica em que, ao ver de que pede, encontra-se o
suposto fático abstrato, conclui que: En virtud precisamente de los poderes del Juez expresados en el aforismo
iura novit
curia
, éste es completamente libre para elegir las normas jurídicas que, a su juicio, sirven de guía para la resolución dei
litigio, así como para efectuar el razonamiento jurídico que estime más adecuado, sin que en ninguno de los dos aspectos
esté vinculado por lo que hayan manifestado las partes y, en consecuencia, sin que su sentencia incurra en vicio de incon-
gruencia” (
Iura novit cúria
, p. 64). Mais adiante, afirma que, em razão do princípio
iura novit curia
, não está o juiz vinculado
à qualificação jurídica feita pelas partes, mas apenas aos fatos alegados, os quais condiciona a escolha da norma jurídica a
ser aplicada (op. cit. p. 84). Pelo que se verifica, segundo essa construção, o juiz estaria vinculado tão somente aos fatos, a
partir dos quais ele irá identificar a norma aplicável (v. tb. p. 85).