

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 377 - 397, Maio/Agosto 2017
394
Da mesma forma, irrefragável a ausência de inconstitucionalidade
nos textos normativos invocados, uma vez que, como visto, apenas optou-se
pela mitigação do respeito à dignidade da pessoa humana, em privilégio ao
direito à vida e à integridade física do receptor do sangue coletado, posto
que inafastável a ponderação que, em um Estado Democrático de Direito,
o exercício dos direitos individuais não poderá menoscabar o exercício de
direitos pela coletividade.
A própria evolução do Biodireito, ciência que tem nas normas em
comento exemplificação, conduz à conclusão que ora salientamos, posto
que, ao se fundar na Bioética, que por sua vez baseia-se na Ética, inafastável
caminhar-se no sentido de que o exercício dos direitos alegadamente viola-
dos, jamais poderia colocar em risco a integridade física, e porque não dizer
a própria vida, de outrem.
Cogitar o exercício de direitos – não negados, mas, tão somente, miti-
gados – que põe em risco a integridade de um indivíduo, que já se encontra
em situação de debilidade, pois depende de uma transfusão de sangue ou
hemoderivados para o restabelecimento de sua saúde, é enfrentar dilema
ético que irá depender dos valores pessoais de cada doador para garantir a
funcionalidade do sistema.
Em apertada síntese, a resolução bioética da questão perpassa pelo
conjunto de valores utilizados para responder a três questões fundamentais:
Quero? Devo? Posso? Ou seja, embora doadores extremamente imbuídos
de espírito verdadeiramente altruísta sejam impedidos de doar sangue, eles
assim o são por que são homens que praticam sexo com risco acrescido,
não
devendo
fazê-lo sob o risco de colocar em risco a saúde de outrem, razão
pela qual
não permite
a norma de vigilância sanitária que exerçam tal ativi-
dade cívica, considerando o interesse da coletividade.
Nossas cortes não passaram alheias à questão, tendo,
exempli gratia
, o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, seguindo a jurisprudência
predominante, proferido decisão emblemática quanto ao assunto:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZA-
ÇÃO POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE TER HAVIDO
ATO DE DISCRIMINAÇÃO, POR PARTE DA ADMINISTRA-
ÇÃO PÚBLICA, POR NÃO TER SIDO PERMITIDO QUE O
AUTOR DOASSE SANGUE PELO FATO DE SER ELE HO-
MOSSEXUAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. A Admi-