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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017

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de política interna. Mas enviaram dois observadores. Portugal foi representado

por José Antônio Marques, médico militar de prestígio, que viria a se tornar o

1ª presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, criado pouco depois.

O documento final continha dez artigos e garantia a neutralidade

das ambulâncias, hospitais e pessoal de saúde, assim como dos médicos,

enfermeiras e civis que estivessem prestando socorro aos feridos de guerra.

Os soldados inimigos feridos adquiriam também essa neutralidade, compro-

metendo-se as potências beligerantes a lhes prestar o devido socorro, como

se nacionais fossem

6

(vingou aqui o sentimento das voluntárias socorristas

de Castiglione de que eram “

tutti fratelli

”!). Adotou-se também o emblema

identificador da cruz vermelha sobre fundo branco, como símbolo do so-

corro neutro. Naquele mesmo ano, 10 países participantes da 1º Convenção

de Genebra a ratificaram: em 1867, já eram 21 e, em 1910, quando faleceu

Dunant, eram mais de 40, sendo hoje 186.

3. A CRUZ VERMELHA E O DIREITO HUMANITÁRIO

A Convenção de Genebra de 1864 foi o primeiro tratado interna-

cional firmado não para travar alianças de guerra, mas para evitar os so-

frimentos decorrentes dos conflitos armados. Até então, o que havia eram

acordos circunstanciais e normalmente bilaterais entre as partes envolvidas

num conflito, a fim de regular questões transitórias, segundo fórmulas de

estrita reciprocidade. Geralmente tratavam de capitulações militares, válidas

somente durante o conflito, determinando, por ex. o comportamento das

tropas para com os feridos e prisioneiros inimigos. A partir de então, passa-

mos a ter um tratado de direito humanitário universal, aplicável de forma

duradoura a todas as circunstâncias.

Nasce então o direito internacional humanitário. O direito humanitá-

rio é um ramo do direito internacional público que se inspira no sentimento

de humanidade e que visa à proteção da pessoa. Por sinal, o sentimento

humanitário com relação às vítimas de conflitos armados sempre existiu,

embora não positivado dessa forma num tratado internacional

7

.

Nas palavras de Jean Pictet

8

,

“le droit humanitaire compreend, d’une

part, le droit de la guerre, principalement formé des Conventions de la

6 Tal norma de direito internacional humanitário invoca o sentimento manifestado pelas socorristas voluntárias de Cas-

tiglione de que os feridos eram

“tutti fratelli”

, conforme vem retratado por Henry Dunant em

“Un souvenir de Solférino”.

7 Ações dessa natureza são encontradas como no gesto do chefe muçulmano Saladino, ao retomar a cidade de Jerusalém

dos cruzados, libertou os defensores derrotados e cuidou dos feridos sem qualquer distinção.

8 Pictet, Jean,

“Les principes de la Croix Rouge”

, Comité International de la Croix Rouge, Genève, 1955.