

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 263 - 308, Maio/Agosto 2017
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Jean Henry Dunant nasceu em Genebra em 1828, no seio de uma prós-
pera família protestante. Foi criado por uma mãe atenciosa, que o educou nos
valores da caridade e do auxílio ao próximo. Desde cedo, demonstrou esse es-
pírito ao visitar os presos de sua cidade e prestar-lhes assistência
1
. Mais tarde, já
como empresário, enfrentou dificuldades nos seus negócios com moinhos na
Argélia francesa. Decidiu tentar umencontro pessoal como imperador francês
Napoleão III, a fim de obter a concessão do fornecimento de água para seus
estabelecimentos. Tomando conhecimento de que Napoleão III estava na
Lombardia, para lá se dirigiu.
Era 24 de junho de 1859 e Napoleão III se tinha aliado ao rei Vittorio
Emanuelle da Sardenha e Piemonte, na guerra pela unificação da Itália travada
contra o império austríaco. Da parte da França, havia uma antiga pretensão
de compensar a humilhação sofrida pelo tio do imperador (Napoleão I) com
a divisão da Europa desenhada no Congresso de Viena de 1815. Os dois exér-
citos se confrontaram quase que acidentalmente em Solferino, perto do rio
Mincio, que divide a Lombardia do Vêneto. As tropas juntas somavam mais
de 300 mil homens, compostas por várias nacionalidades, provenientes dos
respectivos domínios imperiais. Após combates que duraram mais de um dia,
os aliados franco-piemonteses se sobrepuseram às tropas austríacas, mas dei-
xando por volta de 40.000 mortos ou feridos no campo de batalha (incluindo
3 marechais de campo, 9 generais e 1566 oficiais, dos quais 630 austríacos e
936 franco-piemonteses)
2
. Os feridos do lado franco-piemontês foram de iní-
cio amontoados no vilarejo próximo de Castiglione, para serem em seguida
levados para Brescia e outras cidades lombardas. Em Castiglione, as três igrejas
existentes foram improvisadas como hospitais de campanha e chegaram a
reunir 9 mil feridos, para serem atendidos por apenas três médicos.
Note-se que estamos numa época de plena revolução industrial, em que o
progresso da metalurgia se fazia sentir diretamente no armamento, com a inven-
ção da metralhadora, do projétil para cano em espiral, do fuzil com carregamen-
to por trás e de peças de artilharia de cada vez maior calibre. O resultado desse
“progresso” industrial era visível no estrago provocado aos milhares de soldados
feridos estendidos em Castiglione. Lamente-se, por outro lado, que o avanço da
medicina não acompanhasse, nem de perto, tal escalada mortífera.
1 Antes de conceber a Cruz Vermelha, Henry Dunant fundara a Associação Cristã de Moços de Genebra, entidade assis-
tencial criada em Londres por George Williams em 1844. Em 1855, Dunant promoveu o nascimento da União Mundial
de Associações Cristãs de Moços, instrumento que converteu a A.C.M. no movimento mundial que é hoje.
2 Tais números são mencionados por Henry Dunant no seu livro
“Un souvenir de Solférino”
, em que compara dita batalha
com as de Borodino, Leipsick e de Waterloo, em número de baixas.