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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 90-106, Janeiro/Abril 2017

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do uma conduta livre, não taxativa, mas vinculada à prossecução dos obje-

tivos previamente definidos e autorizados judicialmente (sendo vedadas, de

qualquer modo, a autoria mediata ou instigação e a obtenção de quaisquer

benefícios ou vantagens pessoais como resultantes da atividade infiltrada).

O agente infiltrado

31

é mais do que um simples observador; é um

participante ativo na atividade criminosa. Insere-se no mundo do crime,

convive com criminosos, ganha a sua confiança e pode eventualmente come-

ter crimes, quer na forma de cumplicidade, quer como coautor ou mesmo

como simples autor (apenas lhe está vedado agir como instigador ou como

autor mediato, repise-se).

32

E justamente por essa característica (possibilidade de participação ati-

va no cotidiano criminoso) é que existe a necessidade de controle e autori-

zação judicial. As medidas requestadas devem ser supervisionadas por um

membro competente do corpo judicial e, para garantir o direito a um

fair

trail

, a sua utilização deve depender de uma autorização prévia.

33

Note-se que a lei não subordina as ações encobertas a qualquer regime

de subsidiariedade, nem se estabelece qualquer limitação proibitiva na co-

lheita da prova. Esta opção decorre do reconhecimento da natureza fechada

e celular das organizações criminosas e da opacidade da atividade que desen-

volvem, que não permite à partida a qualificação jurídica dos fatos, que só

após investigação serão conhecidos.

34

ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 319. Note-se que a consciência da importância desta técnica investigatória levou a ONU

a consagrar no nº 1 do art. 20 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, o

recurso a ações encobertas (...)

a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada

.

31 Para

O

neto

, agente infiltrado é o

agente policial, ou terceiro sob orientação daquele, que, no âmbito da prevenção ou repressão criminal,

e com o fim de obter provas incriminatórias sobre determinadas actividades criminosas, oculta a sua identidade e qualidade, podendo praticas

fatos típicos sem, contudo, os poder determinar

(ONETO, Isabel.

O agente infiltrado: contributo para a compreensão do

regime jurídico das acções encobertas.

Coimbra: Coimbra, 2005, p. 150).

32 Há clara e incontestável distinção entre as figuras do

agente infiltrado

e do

agente provocador

(neste sentido: COSTA

ANDRADE, Manuel da.

Sobre as proibições de prova em processo penal.

Coimbra: Coimbra, 2006, p. 220). Não

se olvida – e a doutrina nacional se encarrega de aclarar esta situação – que sobre a figura do

agente provocador

, salvo raras

exceções, existe uma certa unanimidade doutrinária relativamente a sua inadmissibilidade, por se tratar de um meio proi-

bido de prova na medida em que o agente provocador inculca no sujeito ativo o desígnio criminoso e impulsiona-o de

forma decisiva à prática do crime. Doutro modo, o agente infiltrado limita-se a ganhar a sua confiança e por essa via a

conhecer o projeto criminoso, ainda que para atingir esse objetivo, tenha eventualmente que praticar alguns atos ilícitos.

Assim, relativamente a figura do agente infiltrado, e uma vez feita a rigorosa delimitação entre os dois conceitos, a maioria

da doutrina tende a admiti-la como meio legítimo de obtenção de prova, limitando, contudo, a sua utilização a prevenção

e investigação da criminalidade mais grave, complexa e organizada, num quadro de exceção as regras gerais do processo

penal. Neste sentido: GASPAR, António Henriques. As acções encobertas e o processo penal: questões sobre a prova

e o processo equitativo,

in

:

Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira.

Coimbra:

Coimbra, 2004, pp. 43-53.

33 Neste sentido: ONETO, Isabel.

O agente infiltrado

..., cit., p.80.

34 Nestas circunstâncias, a realidade que vai ser conhecida no termo da ação encoberta poderá ser substancialmente

distinta da que se conhecia ou antevia no momento em que a mesma foi autorizada, pelo que o requisito da proporciona-

lidade à gravidade do crime deverá ser entendido como o conjunto de fatos conhecidos ou indiciados

ab initio

, ou seja, no