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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 90-106, Janeiro/Abril 2017

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mento da vítima em juízo é de extremo valor, eis que não é raro

que seja a única prova possível de ser produzida

.

38

O despreparo profissional, a concepção cênica das salas de audiências

e as exigências jurídico-processuais acabam por revitimizar as crianças abu-

sadas (o que traz no seu lastro o problema da geração de um

dano psíquico

secundário

, o qual, em alguns casos, pode ser maior que o dano primário

causado pelo abusador).

Sob outro viés, o trauma suportado pela vítima e os preconceitos

enraizados nas mentes dos

operadores do Direito

culminam por minorar a

credibilidade dos depoimentos e declarações prestados, o que toma dimen-

são perigosa quando considerado que, na maior parte dos casos de abuso

sexual cometidos contra um menor, o testemunho dele constitui a prova

fundamental, às vezes a única, de que se dispõe.

A falta de credibilidade no relato infantil não se justifica quando a

afirmação é de que, como regra, as crianças fantasiam, mentem, são vulne-

ráveis a sugestões, incapazes de separar a realidade de seus desejos sexuais,

etc. Na verdade, a real justificativa para não validação da versão é o próprio

sentimento dos adultos que não suportam admitir que seus semelhantes

possam praticar tamanha violência contra os indefesos. Trata-se da negação,

no dizer de

D

obke

, da primeira e mais primitiva defesa psicológica dos

adultos, que procuram dessa forma diminuir a própria vergonha, bem como

minimizar a problemática enfrentada em cada caso analisado.

39

Diante desse cenário, como bem frisado pela doutrina especia-

lizada, o primeiro passo a ser dado é o tratamento das crianças e dos

adolescentes como sujeitos de direitos (e não como mero objeto da

atuação jurisdicional).

40

38 DALTOÉ CEZAR, José Antonio.

Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes

nos processos judiciais.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pp. 18-19.

39 DOBKE, Veleda.

Abuso sexual: a inquirição das crianças, uma abordagem interdisciplinar.

Porto Alegre: Ricar-

do Lenz, 2001, p. 37:

Como ensina Sanderson (2005, p. 237), nesses casos, alguns pais preferem não acreditar na criança a se confrontar

com a dura realidade de ver uma pessoa de confiança como um pedófilo, sendo a negativa também uma das formas que encontram para se

desculparem do fracasso da missão tutelar em que estavam investidos.

40

O ECA, ao contrário da doutrina da situação irregular que colocava crianças e adolescentes como objetos do direito, colocou esses como

sujeitos dos direitos estabelecidos na legislação, alterando significativamente as relações jurídicas afetas à infância e à juventude. No plano geral,

dispôs sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, introduzindo no campo normativo uma nova política de atendimento. Criou

uma instância administrativa de distribuição de justiça, os Conselhos Tutelares, e disciplinou a proteção judicial dos interesses difusos e protetivo

(

DALTOÉ CEZAR, José Antonio.

Depoimento sem dano

…,

cit

.

, pp. 40-41). Consigna-se que a proteção das vítimas

em relação à

vitimização primária

e a

vitimização secundária

é inerente ao Estado de Direito, impondo-se quer

como forma de

proteção imediata de certos direitos fundamentais, tais como os direitos à vida, à integridade

física, à privacidade e à pro-

priedade, diante do perigo sério da sua lesão (prevenção da vitimização primária), quer como forma de proteção mediata

desses direitos fundamentais diante das insuficiências e deficiências das respostas do Estado e de outras entidades públicas

a vítima do crime (prevenção da vitimização secundária). O direito à proteção do Estado contra a vitimização secundária