

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 39 - 71, Janeiro/Abril 2017
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certos bens seja passada informalmente, sem qualquer registro, inclusive por
quem sequer a possui, formalmente.
São os “contratos de posse”, investimentos da economia de toda
uma vida de milhares de brasileiros carentes, mas que, juridicamente,
pouco ou nada significam (e que demandavam, por isso, ajuizamento
de ações de usucapião). A usucapião extrajudicial, nesses casos, afigura-
-se completamente possível e recomendável: muitas vezes, aliás, o atual
possuidor possui contato com o proprietário formal, que jamais se oporá
a facilitar a regularização.
Atento a isso, foi brilhante o protótipo da Ministra Nancy Andrighi,
enquanto corregedora nacional de justiça, ao prever que o consentimento
pode ser considerado outorgado de maneira expressa mesmo diante do silên-
cio do proprietário e mesmo sem a notificação mencionada, quando existir
(i) título ou instrumento que demonstre a existência de uma relação jurídica
com o titular do direito real
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, (ii) acompanhada pela prova da quitação da
obrigação, (iii) e da certidão negativa de ação judicial contra o usucapiente
ou seus cessionários. Deve-se, de resto, justificar o óbice que impede a correta
escrituração, para impedir a burla dos procedimentos notariais pela via da
usucapião. Ao registrador, caberá, lançando mão de seu livre convencimen-
to, proferir decisão fundamentada acerca da validade dos documentos e da
inexistência de lide.
Em suma: é o fim das ações de adjudicação compulsória, absoluta-
mente comuns em casos nos quais existe o instrumento de promessa de
compra e venda e a prova da quitação, decorrida, por vezes, há décadas, mas
sem a posterior formalização da transferência da propriedade. Só esse passo
bastaria para atribuir imensa utilidade ao instituto.
O fato de o proprietário ser falecido, de resto, não impede o procedi-
mento analisado, bastando a assinatura dos seus herdeiros legais, acostando-se
a declaração de únicos herdeiros
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. Trata-se de manifestação do princípio
da
saisine
, sendo tais sucessores os autênticos proprietários do bem, em
conjunto, desde a morte.
83 Diz o §1º: “Sao exemplos de titulos ou instrumentos a que se refere o
caput
: a) Compromisso de compra e venda; b)
Cessao de direitos e promessa de cessao; c) Pre-contrato; d) Proposta de compra; e) Reserva de lote ou outro instrumento
no qual conste a manifestaço de vontade das partes, contendo a indicaço da fraço ideal, do lote ou unidade, o preco, o
modo de pagamento e a promessa de contratar; f) Procuraço publica com poderes de alienaço para si ou para outrem,
especificando o imovel; g) Escritura de cessao de direitos hereditarios especificando o imovel; h) Documentos judiciais de
partilha, arremataço ou adjudicaço”.
84 Atentaram muito bem para esse aspecto, de forma expressa, o Provimento da 05/2016 CGJ/AC e 35/2016 da CGJ/
AL (art. 5o de ambos).