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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017

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ca antes cogitadas.

35

Em grande medida, os encargos relativos aos anseios

da sociedade são satisfeitos pelo exercício das atividades estatais, que nem

sempre se amoldam com perfeição ao esquema tradicional das funções exe-

cutiva, legislativa e jurisdicional. A releitura do princípio da separação de

poderes não deve levar em consideração o fato de cada um dos órgãos do

Estado exercer, exclusivamente, uma única dessas três funções consagradas

pela tradição liberal.

Ademais, não é possível conceber que absolutamente todas as fun-

ções do Estado contemporâneo se amoldarão ao esquema destas espé-

cies convencionalmente classificadas. A propósito, Piçarra sustenta que

a nova configuração do princípio da separação de poderes implica o

esgotamento da ideia de universalidade e atemporalidade da tripartição

clássica das funções do Estado, tendo em vista uma progressiva diminui-

ção de fronteiras, a relatividade dos critérios de caracterização material e

de distinção entre elas.

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O pluralismo da sociedade reforça a necessidade de construção de fór-

mulas mais criativas e menos cerradas para a divisão do exercício do poder

político. No lugar de um esquema taxativo para a separação de poderes en-

quanto divisão racional do exercício das funções do Estado, com inspiração

na teoria liberal dos

séculos XVIII e XIX, surge um sistema mais complexo,

maleável e sofisticado.

É de Moreira Neto a tese de que, aos variados modos de expressão

do poder político existentes nos dias atuais, corresponderão inúmeras novas

funções a serem desempenhadas pelo Estado, razão pela qual seria pratica-

mente inviável categorizá-las numa relação

numerus clausus

.

37

Criticando o

modelo madisoniano de separação de poderes, que também conduz a uma

divisão tripartite do exercício do poder político entre presidência, câmara

e senado, Ackerman alega que o sistema norte-americano tem pelo menos

cinco instâncias, quais sejam, a câmara, o senado, a presidência, a suprema-

-corte e as agências independentes.

38

35 Conforme advertido por Sarmento, “No constitucionalismo contemporâneo, a significativa mudança no papel do Es-

tado, que passou a intervir de forma muito mais intensa nas relações sociais e econômicas, levou a uma crise no princípio

da separação dos poderes. “(...) conter ao máximo o Estado pode não ser a melhor estratégia, se o que se pretende não é

o Estado mínimo e absenteísta, mas sim poderes públicos que atuem energicamente em prol dos direitos fundamentais

e interesses sociais relevantes. SARMENTO, Daniel.

Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho

/

Cláudio Pereira de Souza Neto. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 305.

36 PIÇARRA, N. Obra citada, p. 264.

37 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.

Algumas notas sobre órgãos constitucionalmente autônomos – um

estudo de caso sobre os Tribunais de Contas no Brasil.

RDA, n.º 223/08.

38 ACKERMAN, B. Obra citada, p. 114.