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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017

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porquanto fundada essencialmente na ideia de controle recíproco das fun-

ções estatais entre os órgãos especializados, cuja atuação há de se efetuar

em regime de ampla cooperação, bem como por instâncias independentes.

Somente desta forma será possível conjugar os atos necessários para o aten-

dimento da vontade estatal que, em última análise, significa a consecução

eficiente dos interesses da sociedade.

De outro giro, vale dizer que a liberdade também integra o núcleo

essencial da separação de poderes, mas como valor a ser preservado e fim

último a ser perseguido, o que caracteriza seu conteúdo programático.

Neste caso, a liberdade não pode ser entendida como aquela vislumbrada

no Estado liberal burguês dos séculos XVIII e XIX em face do absolutis-

mo monárquico. No atual contexto, em que o epicentro axiológico dos

ordenamentos jurídicos ocidentais é representado pela cláusula da digni-

dade da pessoa humana, a liberdade deve ser entendida como o conjunto

mínimo de condições materiais essenciais e elementares sem as quais uma

pessoa não pode viver com dignidade

45

, noção que pode ser associada ao

“mínimo existencial.”

46

Portanto, a partir da leitura contemporânea do princípio da separa-

ção de poderes (previsto expressamente no art. 2ª, da Constituição da Re-

pública), é possível extrair duas regras jurídicas do seu núcleo essencial, as

quais, evidentemente, estão fora do jogo da ponderação e são de observância

obrigatória pelos poderes do Estado em suas relações.

A primeira consiste na necessidade de contenção do arbítrio no exer-

cício do poder político, por meio da fiscalização e do controle recíprocos

entre os órgãos especializados – p. ex., pelo Poder Judiciário e seus Tribunais

45 Ricardo Lobo Torres ensina que “O homem não pode ser privado, em qualquer situação, do mínimo necessário à

conservação de sua vida e de sua liberdade. O princípio da liberdade fática entra no jogo da ponderação com princípios

como os da separação de poderes e reserva orçamentária. Observa Alexy que ‘um interesse ou uma carência é fundamental

quando sua violação ou não-satisfação significa a morte ou o sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia.

Daqui são compreendidos não só os direitos de defesa liberais clássicos, senão, por exemplo, também direitos sociais que

visam ao asseguramento de um mínimo existencial.’ (...) O mínimo existencial protege também as condições iniciais da

liberdade, assim entendidos os pressupostos materiais para o seu exercício. A liberdade de expressão, por exemplo, só se

afirma se as pessoas souberem ler e escrever, donde se conclui que o ensino da leitura e da escrita é mínimo existencial.

Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições ini-

ciais da liberdade. O fundamento do direito ao mínimo existencial, conseguintemente, está nas condições para o exercício

da liberdade (...)”. Ver TORRES, Ricardo Lobo.

O direito ao mínimo existencial.

Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.

139-141.

46 Sobre o tema, Ana Paula de Barcellos adverte que “Esse núcleo, no tocante aos elementos materiais da dignidade, é

composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações mínimas sem as quais se poderá afirmar

que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. (...) Uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo

em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência

no caso de necessidade e ao acesso à justiça”. BARCELLOS, Ana Paula de.

A eficácia jurídica dos princípios constitu-

cionais: o princípio da dignidade da pessoa humana.

Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 305.