

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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Ackerman sustenta que o modelo madisoniano de separação tripartite
do poder entre presidência, câmara e senado “não só gera inúmeras pato-
logias legislativas, mas também interrompe a coerência da administração
pública técnica.”
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O autor assevera, ainda, que se chegará ao ponto em
que a limitação formal do número de órgãos estatais resultará numa di-
nâmica cada vez mais patológica. Diante disso, Ackerman indaga se há
ainda “alguma boa razão para supor que um governo moderno razoável
deve dividir o poder entre somente três ou quatro instâncias?”
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Constata-se que a preocupação com a divisão rígida quanto ao
desempenho das funções estatais como elemento integrante do conteúdo
do princípio da separação de poderes vem perdendo força na doutrina,
havendo, por outro lado, uma grande tendência a se buscar mecanismos
adequados para que a atividade estatal seja eficientemente executada e
controlada, de modo a evitar potenciais desvios de poder e garantir, na
prática, a promoção dos interesses da coletividade, na forma exigida pe-
las Constituições democráticas.
O afastamento da teoria da divisão cerrada de funções estatais do
conteúdo do princípio jurídico da separação de poderes e a diminuição
de sua importância para a doutrina já eram preconizados por Lowenstein
na década de 1960. Sustentava o autor que a separação de funções, na for-
ma taxativa pretendida pelos mais conservadores, não seria indispensável
para o exercício eficiente do poder político.
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De fato, é preciso relativizar a ideia clássica de separação de pode-
res que pretende, a partir de um critério racional estático, quase mate-
mático, enumerar taxativamente as funções e as esferas de poder creden-
ciadas ao desempenho das atividades estatais. Com efeito, a dinâmica da
sociedade plural provocará o surgimento de demandas inéditas, que as
instâncias de poder tradicionais do esquema tripartite nem sempre serão
capazes de atender eficientemente.
Nesta perspectiva, Dabin adverte que a distribuição de funções
entre órgãos distintos e independentes não pode caracterizar um dogma
ou um fim em si mesmo, mas, sim, um valor de meio, instrumental,
de modo que o princípio da separação de poderes carece de uma maior
flexibilidade em sua compreensão. A visão rígida da lógica da especializa-
39 ACKERMAN, B. Idem.
40 ACKERMAN, B. Ibidem.
41 LOWESTEIN, K. Obra citada, p. 56.