

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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3.2. Necessidade de reavaliação da matriz clássica do princípio da
separação de poderes
Atualmente, vivencia-se uma era caracterizada pela quebra de para-
digmas no Direito Público. Conceitos como o de interesse público, legalida-
de, igualdade, legitimidade, controle e, por que não, separação de poderes,
postulam nova reflexão diante de uma realidade diferente daquela sobre a
qual foram edificadas suas matrizes clássicas. Logo, demonstra-se necessária
a releitura do princípio da separação de poderes para compatibilizá-lo à
realidade dos novos tempos.
Ressalte-se, a propósito, que a condição de norma principiológica
confere à separação de poderes um conteúdo menos denso, aberto, dinâmi-
co, enfim, mais facilmente adaptável às exigências das circunstâncias de cada
momento histórico. Com o advento da visão de mundo carreada pela pós-
-modernidade, “No direito, a temática já não é a liberdade individual e seus
limites (...).
24
Liberdade e igualdade já não são os ícones da temporada (...).
No direito público, a nova onda é a governabilidade”, anuncia Barroso
25
.
De fato, não existem mais razões para compreender a separação de
poderes como um instrumento de luta contra o poder absoluto, nos moldes
formulados por Montesquieu ainda na primeira metade do século XVIII. Para
encontrar o sentido e o alcance da separação de poderes na realidade con-
temporânea, devem ser afastadas cogitações quanto à adesão a uma forma de
“interpretação retrospectiva”, que certamente levará à percepção do princípio
como um dogma liberal degradado em sua autoridade, vigor e prestígio.
26
Isso porque, conforme advertido por Cyrino, especialmente nos Esta-
dos cujo sistema de governo é presidencialista, “os pressupostos de fato e os
fundamentos jus-políticos para a aplicação da teoria original (da separação
dos poderes) não são mais os mesmos.”
27
Além disso, não há mais espaço
24 MARQUES, Cláudia Lima.
A crise científica do direito na pós-modernidade e seus reflexos na pesquisa.
In
Cidadania e Justiça, n.º 6, 1999. A autora defende que a “(Pós-modernidade) é uma tentativa de descrever o grande
ceticismo, o fim do racionalismo, o vazio teórico, a insegurança jurídica que se observam efetivamente na sociedade, no
modelo de Estado, nas formas de economia, na ciência, nos princípios e nos valores de nossos povos nos dias atuais. Os
pensadores europeus estão a denominar este momento de rompimento (
Umbruch
), de fim de uma era e de início de algo
novo, ainda não identificado”.
25 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-mo-
dernidade, Teoria Crítica e Pós-positivismo), Post Scriptum. In
Interpretação e Aplicação da Constituição.
São Paulo:
Saraiva, 5ª edição, 2003, p. 305.
26 Para José Carlos Barbosa Moreira interpretação retrospectiva é “um tipo de interpretação (...) em que o olhar do
intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade
que uma sombra fantasmagórica”. (O Poder Judiciário e a Efetividade da Nova Constituição.
Revista Forense,
n.º 304,
1988, p. 152).
27 CYRINO, André Rodrigues
.
O poder regulamentar autônomo do Presidente da República: a espécie regula-
mentar criada pela EC n° 32/2001
. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 27.