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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017

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para uma leitura rigorosa do princípio da separação de poderes em uma era

em que o Estado assume compromissos sensíveis e complexos, carecendo de

maior agilidade e flexibilidade para concretizá-los.

O Estado liberal possuía, a rigor, deveres de abstenção (negativos), que

se destinavam a manter incólume a esfera de liberdade formal dos indivídu-

os, enquanto que o Estado contemporâneo assume, adicionalmente, deveres

relacionados a uma postura proativa (positivos), visando à consecução dos

interesses públicos, que certamente pressuporá a realização prática de di-

reitos socioeconômicos e de direitos de natureza difusa, neste último caso,

cujos interesses transcendem ao próprio Estado nacional.

28

Não se afirma com isso que a garantia dos direitos de liberdade não

gere custos para o Estado, uma vez que sua realização prática exige, de al-

guma forma, prestações positivas, como o caso, por exemplo, da segurança

pública, que precisa de todo um aparato de recursos humanos, tecnológico

e operacional para funcionar eficientemente. Porém, no atual formato de

Estado, no qual a dignidade da pessoa humana ocupa posição de principal

qualificativo axiológico, a implementação de prestações positivas torna-se

reconhecidamente mais complexa do que as de natureza absenteísta. Até por-

que, se os direitos fundamentais consolidados ao longo da história, em todas

as suas dimensões, não são excludentes, caberá ao Estado garantir a fruição

daqueles direitos já conquistados, a par dos que ainda serão reivindicados

pelas gerações futuras.

Do mesmo modo, a noção cerrada e inflexível da separação de poderes,

conforme preconizado pela teoria clássica, não se amoldaria aos espaços de inter-

seção entre as funções estatais –

v.g

. o poder regulamentar autônomo do Chefe

do Poder Executivo e as súmulas vinculantes – e ao surgimento de novos centros

de poder autônomo com competências técnicas e específicas, tais como as agên-

cias reguladoras, como se vê na organização estatal hodierna.

Sem dúvida, a realidade do Estado contemporâneo não se ajusta à

visão de separação de poderes que privilegia uma literal divisão de fun-

ções estatais e que considera, a despeito de tantas outras circunstâncias, a

liberdade como valor exclusivo e sacrossanto, pois nos dias atuais esta “(...)

28 É conhecida a classificação do interesse público em gênero do qual são espécies o interesse público primário e o in-

teresse público secundário. Diogo de Figueiredo Moreira Neto afirma que “(...) os próprios interesses públicos também

se distinguiram em subcategorias de importância prática, como a diferenciação entre interesses públicos primários, que

dizem respeito à sociedade, e os interesses públicos secundários, que se referem ao próprio Estado, enquanto pessoa moral

a quem se imputam direitos e deveres, valendo observar que os interesses públicos secundários só são considerados legí-

timos quando sejam instrumentais para o atingimento dos primários”. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.

Curso

de Direito Administrativo.

Rio de Janeiro: Forense, 2003, 13ª edição, p. 9.