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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017

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Para Piçarra, “(...) o sistema de freios e contrapesos determinou, afi-

nal, não um equilíbrio permanente entre os poderes separados, mas sim a

predominância cíclica de cada um deles.”

20

A constatação de Piçarra pode ser

confirmada pela proposta da doutrina americana da separação de poderes,

que resultou no fortalecimento dos Poderes Executivo e Judiciário, e, por

sua vez, no enfraquecimento da supremacia do legislativo, de acordo com o

contexto sociopolítico da época.

É bem de ver, portanto, à luz da evolução teórica da separação de

poderes, da noção cunhada pela

rule of law

, até a concepção clássica de

Montesquieu, que o princípio possui um conceito dinâmico, flexível e mu-

tável conforme as circunstâncias sociais, políticas e econômicas de cada épo-

ca. Afinal, de acordo com Magiera, “o conceito de separação dos poderes é,

pelo menos, equívoco”, sendo firmado conforme as relações reais de poder

vivenciadas em determinado contexto histórico.

21

É possível, portanto, antecipar a conclusão de que a noção contem-

porânea do princípio da separação de poderes não pode admitir a predo-

minância das marcas vetustas do Estado liberal-burguês dos séculos XVIII

e XIX. Nesse sentido, Baptista adverte que a separação dos poderes sofreu

“substancial alteração do seu conteúdo (...), tendo deixado de ser um dogma

do Estado para adquirir a dimensão de autêntico princípio institucional.”

22

Recomenda-se, pois, na atualidade, uma leitura mais flexível do princípio

em detrimento da visão dogmática, de maneira que sejam lançadas luzes

sobre a separação de poderes enquanto princípio jurídico constitucional de

natureza instrumental. E a doutrina americana dos

checks and balances

, se-

guramente, contribuiu para a compreensão do princípio em termos funcio-

nais, mitigando a ideia de que este pudesse constituir um fim em si mesmo.

Na verdade, a teoria de Montesquieu, que prioriza a divisão vertical do

exercício do poder político, e a teoria americana, que destaca a distribuição

de funções entre órgãos do Estado e o controle recíproco entre estes, devem

ser compreendidas como esferas não excludentes, mas, sim, complementares,

pois, afinal, possuem o mesmo objetivo, que é preservar a esfera de liberdade

dos indivíduos a partir da limitação do exercício do poder político.

regulamentar criada pela EC n° 32/2001.

Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 32.

20 PIÇARRA, N. Obra citada, p. 184.

21 MAGIERA, John.

Parlament und Staatsleitung in der Verfassungsordnung des Grundgesetzes

, 1979. Apud

André Ramos Tavares.

Curso de direito constitucional.

2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 858.

22 BAPTISTA, Patrícia Ferreira. O princípio da separação de poderes revisitado e atualizado. In

Revista de Direito da

Associação de Procuradores do Estado do Rio de Janeiro,

Volume VI, Direito Público. Coord. Diogo de Figueiredo

Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 10.