

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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sando a acção deles quando exorbitem ou anulando os seus actos ilegais
(
faculté d’ empêcher
).”
14
Além do mais, a separação de poderes deveria assegurar a existência de
uma esfera de poder capaz de contrariar outra esfera de poder: a denominada
instância moderadora. Sob este prisma, a teoria era muito mais um problema
de natureza política, afeto à noção de correlação de forças, do que propria-
mente uma questão jurídica ligada à organização das funções do Estado. A
instância moderadora é que proporcionaria o equilíbrio entre os poderes.
A supremacia do legislativo também se verificava em relação ao judi-
ciário, o que contribuiu para a tardia adesão dos países da Europa ocidental
à jurisdição constitucional e ao controle de constitucionalidade. A rigor,
o Poder judiciário seria “de algum modo nulo”, cabendo aos juízes atuar
somente como a “boca que pronuncia as palavras da lei.”
15
2.3. A doutrina norte-americana dos
checks and balances:
a comple-
mentação da teoria da separação de poderes
Nos Estados Unidos da América, por influência do iluminismo euro-
peu e a partir de “O Federalista”, teve início o desenvolvimento da doutrina
da separação de poderes arquitetada por Montesquieu. Nos artigos federalis-
tas, os revolucionários americanos manifestavam temor quanto à possível ação
tirânica do legislativo, dada a excessiva concentração de poder naquela esfera.
16
Partindo das bases teóricas assentadas por Montesquieu,
e, na verda-
de, com o objetivo de fortalecer o Poder executivo, Madison e Hamilton
consolidaram um modelo de separação de poderes que visava atenuar a
supremacia do legislativo, garantindo maior equilíbrio na relação entre as
esferas de poder. Afastou-se, desta forma, o modelo europeu, que conferia
ao legislativo papel predominante, mas sem cogitar o Poder Judiciário como
uma esfera irrelevante e nula.
É possível estabelecer como notas distintivas entre os modelos teóricos
de separação de poderes de Montesquieu
e o americano a circunstância de o
primeiro constituir, primordialmente, um mecanismo voltado à promoção
da liberdade individual, enquanto que o segundo denota, essencialmente, um
instrumento de divisão de trabalho e otimização das funções estatais, ainda
14 CAETANO, M. Obra citada, p. 193.
15 Ver
Do Espírito das Leis.
Edição brasileira. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002, p.169 e 172.
16 Ver
O Federalista. In Os Pensadores,
São Paulo: Victor Civita Editor, 1979, caps. XLVII e LI.