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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017

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da separação de poderes, muito embora esta afirmativa não seja objeto de

consenso entre os autores contemporâneos. Mesmo assim, Locke pode ser

considerado o primeiro autor moderno a formular a teoria da separação

de poderes nos moldes do liberalismo clássico.

4

Nesse sentido, Canotilho

ensina que o pensador inglês é o autor que “de forma sistemática, traçou

algumas das premissas do padrão básico referente à organização do poder

político segundo o princípio da separação de poderes.”

5

Tendo como pre-

missa o contrato social, a construção teórica de Locke acerca da separação

de poderes supõe que a sociedade política, que seria titular de uma espécie

de poder supremo, instituiria um governo ao qual seriam conferidos os

poderes de fazer as leis e de tutelar a proteção coletiva e individual dos seus

integrantes. O exercício desta função seria confiada a um órgão supremo

denominado Poder Legislativo.

A nota característica da teoria da separação de poderes de Locke resi-

de na supremacia do poder legislativo sobre o executivo. Contudo, para o

pensador inglês, deveriam existir outras esferas competentes para o exercício

do poder político, uma vez que a concentração dos poderes de legislar e de

executar permanentemente as leis e de julgar as questões controvertidas num

único órgão provocaria uma “tentação muito forte para a fragilidade huma-

na, tão sujeita à ambição.”

6

Na forma concebida por Locke, que se vinculava especialmente à

Constituição inglesa, os poderes do Estado não se restringiriam ao legisla-

tivo e ao executivo (incluída a atividade jurisdicional), pois ele reconhecia

também os poderes federativo e de prerrogativa, do que resultava uma divi-

são funcional quadripartida.

7

Por sua vez, sob o aspecto orgânico, Locke traçou a distinção entre

Parlamento (função legislativa) e Coroa (função executiva mais a jurisdicio-

nal, federativa e de prerrogativa). Para justificar teoricamente sua doutrina

4 Ver PIÇARRA, N. Obra citada p. 63. Para o autor, “Podem resumir-se a três as opiniões sobre John Locke a propósito da

autoria da doutrina da separação dos poderes: i) a que o vê como seu autor original; ii) a que, atribuindo a Montesquieu a

exclusiva autoria da doutrina, vê em Locke um mero precursor daquele, na medida em que na sua obra política fundamen-

tal, os

Two Treatises of Government

, apenas se encontram traços rudimentares e incompletos da doutrina; iii) e, finalmente,

a de que não se encontra na obra de Locke nenhuma doutrina da separação dos poderes, entendida como exigência de

separação e equilíbrio interorgânico, mas simplesmente uma distinção das funções estaduais.” Ver também DALLARI,

Dalmo de Abreu.

Elementos de Teoria Geral do Estado.

São Paulo: Saraiva, 1998, p. 217.

5 CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

3ª Ed., Livraria Almedina:

Coimbra, 1999, p. 538.

6 CAETANO, Marcello.

Manual de Ciência Política e Direito Constitucional.

Livraria Almedina: Coimbra, 1986, p.

191-192.

7 Para aprofundamento no tema ver BONAVIDES, Paulo.

Ciência Política.

14ª edição. Malheiros Editores: São Paulo,

2007.