

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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tes do Estado de Direito. Logo, a centralização de poder poderia reverter-se
em despotismo.
A teoria de Montesquieu engendrou um complexo sistema no qual
cada órgão do Estado desempenharia funções distintas e, ao mesmo tempo,
interdependentes, com atividades que caracterizariam uma forma de conten-
ção da outra esfera de poder. Com efeito, somente a partir da teoria de Mon-
tesquieu é que a fórmula clássica da divisão funcional tripartida do poder
do Estado passou a predominar no âmbito do constitucionalismo liberal.
Para Bobbio, deve-se a Montesquieu a “divisão vertical do poder que
constitui a célebre teoria da separação dos poderes”. Lembra, ainda, Bobbio,
que de todas as teorias do pensador francês, a da separação de poderes é “que
teve maior projeção, tanto que as primeiras Constituições escritas, a norte-
-americana de 1787 e a francesa de 1791, são consideradas suas aplicações.”
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Mesmo não fazendo referência expressa ao princípio nos moldes tra-
çados por Montesquieu, a constituição americana de 1787 pode ser conside-
rada o marco normativo moderno da separação de poderes. Por essa razão,
Bonavides adverte que, mesmo sem norma expressa, a constituição america-
na seria incompreensível se não tivesse implicitamente, na sua essência, a se-
paração de poderes, “que é a técnica de repartição da competência soberana
naquele documento público.”
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Porém, a defesa mais apaixonada à teoria da separação de poderes,
cunhada por Montesquieu, encontra-se na constituição francesa de 1791, na
parte relativa à declaração dos direitos do homem e do cidadão (preâmbu-
lo), cujo artigo 16 previa que toda sociedade na qual não esteja assegurada a
garantia dos direitos do homem nem determinada a separação de poderes,
não possuiria constituição.
A lógica da estruturação teórica desenvolvida por Montesquieu,
em alguma medida, assemelha-se ao que se observa na prática atual da
divisão orgânico-funcional do Poder na maioria dos sistemas jurídicos
ocidentais. Para Montesquieu, os poderes deveriam atuar de modo que
cada um decidisse sobre as matérias afetas às suas competências, exercen-
do a faculdade de ordenar por si mesmo (
faculté de statuer
), e detendo
os excessos uns dos outros por meio da faculdade de impedir a prática
de “actos contrários ao Direito ou ao equilíbrio constitucional, parali-
12 BOBBIO, Norberto.
A Teoria das Formas de Governo
. 7ª edição. Tradução Sérgio Bath. Universidade de Brasília,
1994, p. 136.
13 BONAVIDES, P. Obra citada, p. 153.