

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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da separação de poderes no contrato social, Locke buscou conciliar o afas-
tamento da influência do estado de natureza sobre os homens, os subordi-
nando ao poder do Estado mediante a imposição de limites ao exercício do
poder político pelas leis.
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Dessa ordem de ideias decorre a noção clássica da
primazia da lei sobre os outros poderes e o dogma de que o poder legislativo
seria indelegável.
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2.2. A sistematização racional de Montesquieu
Locke contribuiu decisivamente para o desenvolvimento científico da
doutrina da separação de poderes. Porém, o teórico mais laureado nessa sede
é Montesquieu, que, tal qual o primeiro, pode ser considerado um pensador
típico do período da modernidade clássica, cujos marcos teóricos são a razão
e a primazia do indivíduo. Montesquieu foi um dos principais responsáveis
pela evolução, sistematização e estruturação teórica da doutrina da separa-
ção de poderes. É a partir da sua teoria que a separação de poderes ganha
amplo reconhecimento doutrinário e científico. Foi com a célebre obra
De
l’ Esprit des Lois
, de 1748, que houve “o impulso decisivo para transformar
a doutrina da separação de poderes, de doutrina inglesa, em critério do Es-
tado constitucional.”
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Montesquieu foi o primeiro a empregar uma metodologia racional na
construção da teoria da separação de poderes, com amplo grau de objetivi-
dade científica, quase inflexível, cuja raiz epistemológica habita as ciências
naturais. Do grande relato moderno dos fenômenos sociais e políticos ne-
cessários e invariáveis resultou a formação de um dogma até hoje cultuado
em sua versão original. Desta forma, Lucas Verdú observa que o mérito de
Montesquieu foi desenhar “de modo cartesiano e inclusive newtoniano, o
postulado da separação de poderes.”
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No desenvolvimento da teoria da separação de poderes, Montesquieu
supôs que a sociedade deveria se organizar de modo que o poder constituísse
um freio ao próprio poder, como forma de garantir a liberdade individual.
O pensador francês acreditava que a concentração de poder em uma única
pessoa poderia provocar falta de liberdade, criando risco às conquistas recen-
8 JACKISCH, Carlota.
Teoría de distribución de poderes in Division de Poderes.
Konrad-Adenauer-Stiftung. Ciedla:
Buenos Aires, 1994, p. 9.
9 VERDÚ, Pablo Lucas.
Manual de Derecho Político. Volume Primeiro. Introduccion y Teoria del Estado.
Terceira Edicion, Tecnos: Madri, 1998, p. 177.
10 PIÇARRA, N. Obra citada, p. 122.
11 VERDÚ, P. Idem.