

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
28
sendo permitido, mas o Estado poderia regulamentar o exercício deste direito
visando exclusivamente proteger a saúde da gestante. Só a partir do terceiro tri-
mestre da gestação – período a partir do qual já existiria viabilidade da vida fetal
extrauterina
69
–, poderiam os Estados proibir a realização do aborto, objetivando
a proteção da vida potencial do nascituro, a não ser quando a interrupção da
gravidez fosse necessária para a preservação da vida ou da saúde da mãe
70
. Além
disso, ao tratar da preservação da vida e da saúde da mãe, a decisão incluiu a pon-
deração do número de filhos e da situação econômica da família como fatores
decisivos para a autorização do aborto
71
.
Nesse mesmo sentido, o Código Penal Português, em seu artigo 142,
nª 1, autorizou o aborto quando este for o único meio de prevenir o surgi-
mento de um perigo para a vida ou grave e duradoura lesão de saúde física
ou psíquica da grávida
72
. Na Inglaterra, a Lei do Aborto, de 1967, contem-
plou uma indicação médico-social, ao admitir o aborto para evitar o risco
de que a ofensa à saúde física ou mental da mulher grávida ou de alguma
das crianças da família fosse maior do que as resultantes da interrupção da
gravidez
73
. A necessidade de admitir a interrupção voluntária da gravidez
em casos de risco devidamente constatado à saúde da gestante é reconheci-
da mesmo pelas cortes que optaram pela criminalização como regra geral
como foi o caso da Corte Constitucional italiana, que declarou a inconsti-
tucionalidade da norma incriminadora do aborto inserida no Código Penal,
exatamente porque esta não previra a hipótese de interrupção da gravidez
em decorrência de risco à saúde materna.
A legislação alemã traz como principal característica a prevenção do
aborto por meio de mecanismos não repressivos, com a criação de medi-
das de caráter educativo, de planejamento familiar e benefícios assistenciais,
com a finalidade de eliminar as causas materiais que pudessem fazer com
que as mulheres deixassem de procurar a interrupção da gravidez
74
. A partir
69 Em decisões posteriores, como Planned Parenthood v. Casey, proferida em 1992, a Suprema Corte flexibilizou o cri-
tério fundado no trimestre da gestação, passando a admitir proibições ao aborto anteriores ao 3º trimestre, desde que já
caracterizada a viabilidade fetal extra-uterina. DWORKIN, Ronald.
O Domínio da Vida.
Trad. Jefferson Luiz Camargo.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 817-822.
70 Cf. DWORKIN, Ronald. Op., cit, p.73
71 Cf. DWORKIN, Ronald.
O Império do Direito.
Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003,
p. 76, p. 216, p.224-226.
72 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Op., cit. Comentario $$ 26-30 ao artigo 142 e o $ 27 ao 142.
73 Cf. Nicolas Terrey, “England”, Abortion and Protection of Human Fetus, op. cit, p. 75 e ss. APUD Rui Pereira, pag. 85
74 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit. p.14.