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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
para autorizar a interrupção da gravidez. Devido a um estado de angústia
(
detresse
) que a própria mulher grávida ajuíza, a IVG é permitida durante
as primeiras dez semanas de gestação
66
ou, em qualquer época, quando
haja risco à sua vida ou à sua saúde, ou exista forte probabilidade de que
o feto gestado venha a sofrer, após o nascimento, de “doença particular-
mente grave reconhecida como incurável no momento do diagnóstico”.
Em 2001, foi promulgada a Lei 2001-588 que ampliou o prazo geral de
possibilidade de interrupção da gravidez de 10 para 12 semanas, e tornou
facultativa, para as mulheres adultas, a consulta prévia exigida até então
em estabelecimentos e instituições de aconselhamento e informação. O
Conselho Constitucional foi mais uma vez provocado e manifestou-se no
sentido da constitucionalidade da norma, afirmando, na Decisão n. 2001-
446, que a ampliação do período durante o qual pode ser praticada a inter-
rupção voluntária de gravidez de 10 para 12 semanas quando a gestante se
encontre numa situação de angústia não rompe o equilíbrio que o respeito
à Constituição impõe entre a salvaguarda da proteção da pessoa humana
contra toda forma de degradação e da liberdade da mulher, que deriva da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
67
.
Nos Estados Unidos, a decisão do caso
Roe v. Wade 410 US 113 (1973)
68
considerou que obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação indesejada
pode provocar danos específicos e diretos, medicamente diagnosticáveis mesmo
no período inicial da gestação: danos psicológicos; comprometimento da saúde
física e mental causados pelo cuidado com o filho; imposição a uma vida ou
futuro infeliz à mulher que não desejava a maternidade ou à prole adicional; e
também a angústia, para todos os envolvidos, associada à criança indesejada,
além do problema de trazer uma criança para uma família psicologicamente
- ou por qualquer outra razão - inapta para criá-la. A Suprema Corte definiu
os parâmetros que os Estados deveriam, necessariamente, seguir ao legislarem
sobre aborto. Assim, a livre e voluntária decisão da mulher e de seu médico pelo
aborto é ampla no estágio inicial da gestação (primeiro trimestre), mas progres-
sivamente condicionada nos demais estágios (trimestres), a fim de que os estados
possam controlar a adequação entre os meios procedimentais de sua realização e
os riscos à saúde e à vida da mulher. No segundo trimestre, o aborto continuaria
66 Cf. PEREIRA, Rui. Op., cit, p.81-82.
67 Tradução livre do trecho da decisão que está disponível na íntegra em
<http://www.conseilconstitutionnel.fr.>
68 Com base nesta orientação, a Suprema Corte, por 7 votos a 2, declarou a inconstitucionalidade de uma lei do Estado do
Texas, que criminalizava a prática do aborto a não ser nos casos em que este fosse realizado para salvar a vida da gestante.
Cf. DWORKIN, Ronald.
O Domínio da Vida.
Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.