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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017

como saúde, dignidade, liberdade da mulher, direitos dos progenitores a uma

paternidade e maternidade conscientes

58

.

Neste mesmo sentido, pode-se afirmar que a tutela da vida do nasci-

turo é mais intensa no final do que no início da gestação, tendo em vista o

estágio de desenvolvimento fetal correspondente, sendo certo que tal fator

deve ter especial relevo na definição do regime jurídico do aborto. Além dis-

so, não se pode olvidar que o estabelecimento de um prazo para a realização

do aborto visa proteger a expectativa de vida como pessoa formada, que é

tanto maior quanto mais a gravidez se aproxima do seu termo e, reflexa-

mente, também se destina a tutelar a grávida, pois os riscos para a sua vida

e saúde são tanto maiores quanto mais tarde for realizado.

59

Em Portugal, esse tema foi amplamente debatido pelo Tribunal Cons-

titucional durante o controle preventivo de constitucionalidade do referendo

de 1998

60

. A Corte manifestou-se favoravelmente à despenalização geral do

abortamento, por vontade da gestante, realizado nas primeiras 10 semanas

de gestação em estabelecimento de saúde oficial, reiterou o entendimento de

que a vida intrauterina é protegida pela Constituição, mas não com a mes-

ma intensidade da vida de pessoas já nascidas, admitiu a ponderação entre

esta vida e direitos fundamentais das mulheres e considerou que o tempo de

gestação é critério adequado para a solução desta colisão de interesses consti-

tucionais afirmando que “a tutela progressiva encontra seguramente eco no

sentimento jurídico colectivo, sendo visível que é muito diferente o grau de

reprovação social que pode atingir quem procure eventualmente ‘desfazer-

-se’ do embrião logo no início de uma gravidez ou quem pretenda ‘matar’ o

feto pouco antes do previsível parto”

61

. Entendeu ainda que

nem o regime

de proteção da vida intrauterina tem que ser “o mesmo que o direito à vida,

58 Cf. CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital. Op. Cit. 1985.

59 Nestes termos, SILVA DIAS, Augusto Silva Dias. Apontamentos de Direito Penal II, 1996-97 aponta que os acórdãos

do Tribunal Constitucional 85/85 e 288/98 assumiram o tempo de gestação do feto como critério de ponderação de in-

teresses. O acórdão 288/98 define que a vida intra-uterina é “quase sempre prevalecente nas últimas semanas de gestação,

enquanto que nas primeiras se dará maior relevo à autonomia da mulher.

60 Em Portugal, foram realizados 2 referendos sobre a interrupção da gravidez realizada por opção da mulher nas pri-

meiras 10 semanas: em 1998, com 68% de abstenção, o NÃO venceu. Em 2007, 59% dos votos válidos foram pelo SIM,

40% pelo não e, novamente, houve abstenção de 56% do total de inscritos. A despeito de se tratar de consulta popular

não vinculativa, nos dois casos a orientação popular foi acatada pelo Legislativo que fez com que a IVG só fosse des-

criminalizada após a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do Tribunal Constitucional através do

Acórdão n.º 617/2006 que impôs um sistema de aconselhamento, como ocorre na Alemanha, que não havia sido previsto

pelo referendo.

61 O arresto acrescentou ainda que a harmonização entre a proteção da vida intra-uterina e certos direitos da mulher,

na procura de uma equilibrada ponderação de interesses, passa pelo estabelecimento de uma fase inicial do período de

gestação em que a decisão sobre uma eventual interrupção da gravidez cabe à própria mulher .Cf. PORTUGAL. Tribunal

Constitucional. Acórdão 288/98. de 18 de abril. Diário da República 91/98 SÉRIE I-A 1º SUPLEMENTO.