

33
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
mulher, fazendo parecer que a decisão de engravidar repousa sobre a vontade
do homem, seja ela violentamente imposta ou consensual, e que às mulheres
cabe apenas assentir e manter seus corpos à disposição da vontade masculina
92
.
Considerações finais
Neste estudo, a análise da constitucionalidade da IVG no Brasil fez-
-se por meio da ponderação do princípio da vida, que se aplica ao feto, e dos
princípios da dignidade, liberdade e saúde, que se aplicam à gestante. Para isso,
também consideramos que a proporcionalidade, em sentido estrito, diz basica-
mente que, quanto maior o grau de não realização de um princípio ou de um
dano a esse princípio, maior deve ser o grau de satisfação do outro princípio
93
para que aquele possa ser afastado em benefício da realização deste. Desta for-
ma, podíamos entender que a criminalização da interrupção da gravidez é um
meio adequado para proteger a vida do nascituro e, através do ordenamento
jurídico, proteger o feto. Por outro lado, podíamos entender que não há meio
menos gravoso para proteger a saúde, a integridade e a liberdade da mulher do
que a interrupção da gestação e descriminalizá-la.
Assim, ainda que se conceba o direito à vida do feto, em juízo de
ponderação, entendemos que tal direito deve ceder em prol dos direitos à
dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia,
à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde, previstos,
respectivamente, nos artigos 1ª, inciso III, 5ª, cabeça e incisos II, III e X, e 6ª,
caput, da Carta da República.
Soma-se a esse argumento o fato de que o meio utilizado atualmente
para a proteger a vida do feto, mediante essa postura interventiva do Estado,
fere, além da liberdade, a integridade física e psicológica da mulher, seja na
esfera da saúde física e psicológica, seja na esfera da dignidade humana. Se há
dúvida sobre o valor da vida uterina, sobram certezas de que a imposição da
gestação contra a vontade da mulher assemelha-se à tortura física e psicológica,
nos exatos termos da Lei dos Crimes de Tortura. E aqui não se trata de compa-
rar duas leis de mesma hierarquia, mas de usar a definição legal da proteção
de um direito humano básico, que é a garantia da integridade individual (art.
5ª, III, da Constituição) que assegura que “ninguém será submetido à tortura
nem a tratamento desumano ou degradante”.
92 Não por outro motivo, o ministro Ayres Brito, no julgamento da ADPF54, afirmou que, se os homens engravidassem,
a autorização, a qualquer tempo, para a interrupção da gravidez seria lícita desde sempre.
93 Cf. ALEXY, Robert.
On constitutional rights to protection.
Legisprudence, vol. III, n. 1, 2009, p. 7.