

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
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enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão com
outros interesses constitucionalmente protegidos
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”; nem a proteção da vida
intrauterina deve “ser identificada em todas as fases do seu desenvolvimento,
desde a formaçao do zigoto até ao nascimento”. Daí que, nas primeiras dez
semanas de gestação, passou a admitir a interrupção da gravidez por livre
decisão da mulher, como meio – na discricionaridade do legislador – de asse-
gurar a “concordância prática” entre o bem e o valor constitucional objetivo
“vida intrauterina” e os direitos da mulher ao livre desenvolvimento da sua
personalidade e à maternidade consciente.
2.2 O direito à saúde
No Brasil, a atual criminalização da IVG atinge duplamente o direito
à saúde das mulheres: primeiramente, se tem a lesão aos direitos das gestan-
tes, quando são obrigadas a levar a termo gestações que representam risco ou
impliquem efetiva lesão à sua saúde física ou psíquica; em segundo, a lesão
coletiva ao direito de saúde das brasileiras em idade fértil que leva centenas
de milhares de gestantes, sobretudo as mais pobres, a submeter-se a procedi-
mentos clandestinos/inseguros
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.
Em que pese a tutela constitucional conferida à vida pré-natal, não
nos parece razoável impor à mulher o ônus de prosseguir numa gestação
que pode lhe comprometer a saúde, sem que a ela seja facultado o direito de
salvaguardar sua higidez física e psíquica através da interrupção da gestação
Além disso, há que se ampliar o que se entende por saúde
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- conjugando-a
em saúde física e psicológica - no esteio do que nos ensinam as experiências
estrangeiras, especialmente a francesa, que considera como dano à saúde
psicológica
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a angústia experimentada pelas mulheres que são obrigadas a
levar adiante gestações indesejadas.
Na França, onde o debate constitucional diferencia-se dos demais
países aqui estudados por ter se dado a partir de uma iniciativa do legis-
lador e não do Judiciário, a Lei nª 75-17 passou a contemplar, para além
de uma indicação terapêutica ampla, uma indicação por motivos pessoais
62 Cf. PINTO, Frederico Costa. Justificação, não punibilidade e dispensa de pena na revisão do Código Penal, Jornada
sobre a revisão do Código Penal, AADFL, 1998, pp. 66 e ss
63 Cf. SARMENTO, Daniel. p. 37
64 Nesse sentido, já há no Brasil doutrina considerando que a criminalização do aborto se reduz a um tratamento desu-
mano e cruel à gestante, em prejuízo de sua saúde física, mental e emocional, garantidos pela Constituição em seu art. 196,
e que a gestante que provoca o autoaborto ou autoriza terceiro a realizá-lo está amparada pela inexigibilidade de conduta
diversa. Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto.
Manual de Direito Penal
- Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 169.
65 Cf. PEREIRA, Rui. Op., cit, p.81-82.