Background Image
Previous Page  34 / 338 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 34 / 338 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017

34

Ademais, há que recordar que o Direito Penal moderno se apresenta

como última

ratio

, devendo ser mínima a sua intervenção nas relações so-

ciais, não só por se mostrar pouco eficaz como regulador de condutas, mas

por esta ineficiência gerar custos sociais e econômicos, o que reforça os argu-

mentos favoráveis à descriminalização do aborto. A propósito, e em reforço

destes argumentos, os princípios informadores do Direito Penal mínimo,

como o princípio da idoneidade, que estabelece que a criminalização deve

ser um meio útil para resolver o problema social; o princípio da subsidia-

riedade, que estabelece que se deve mostrar que não há outras alternativas

para a regulação da conduta indesejada; e o princípio da racionalidade, que

estabelece que se deve comparar os benefícios e os custos sociais decorrentes

da criminalização, ratificam os argumentos já apresentados

94

.

Conforme demonstra a experiência dos países onde a IVG foi descri-

malizada, as medidas mais eficazes contra o aborto são investimentos em

planejamento familiar e educação sexual; a garantia do direito à creche e o

combate ao preconceito contra a mulher grávida no ambiente de trabalho,

para que as gestantes não sejam confrontadas com uma “escolha de Sofia”

entre a maternidade ou o emprego e, por fim, o fortalecimento da rede de

segurança social, para que um novo filho não seja sinônimo de penúria para

as já desassistidas

95

. Por isso, parece-nos que ao Estado compete apenas se

incumbir do dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à mu-

lher, antes e depois da decisão, seja ela qual for

96

, uma vez que só a ela cabe

sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, refletir sobre

suas próprias concepções e assim, no exercício do direito à privacidade, sem

temor de reprimenda, deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez

97

.

Por fim, importa dizer ainda que o Brasil deve seguir o exemplo de

países como os Estados Unidos, Portugal, França, Alemanha e alguns países

da Europa de Leste que consideram que a mulher grávida é um ser autônomo,

titular do direito de dispor do seu próprio corpo sendo o respeito por esse di-

reito (em condições de igualdade com o direito homólogo atribuído ao homem)

incompatível com um dever de suportar a gravidez. Dever-se-á também consi-

derar que o valor da vida pré-natal não é idêntico em todas as fases da gravidez,

94 Cf. KARAM, Maria Lúcia. Sistema penal e direitos da mulher. In: PIOVESAN, Flávia e GARCIA, Maria (orgs.).

Dou-

trinas essenciais – direitos humanos.

Vol. IV: Grupos vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 405-427

95 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 41

96 Cf. BIRCHAL, Telma Birchal e FARIAS, Lincoln: Aborto de fetos anencéfalos, in

Ethic@. Revista Internacional de

Filosofia da Moral.

Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 19/30, jun 2009.

97 Voto Min. Marco Aurélio p. 66 ADPF 54 516/DF, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 30/04/2013

(

<www.stf.jus.br>

).