

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
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Ademais, há que recordar que o Direito Penal moderno se apresenta
como última
ratio
, devendo ser mínima a sua intervenção nas relações so-
ciais, não só por se mostrar pouco eficaz como regulador de condutas, mas
por esta ineficiência gerar custos sociais e econômicos, o que reforça os argu-
mentos favoráveis à descriminalização do aborto. A propósito, e em reforço
destes argumentos, os princípios informadores do Direito Penal mínimo,
como o princípio da idoneidade, que estabelece que a criminalização deve
ser um meio útil para resolver o problema social; o princípio da subsidia-
riedade, que estabelece que se deve mostrar que não há outras alternativas
para a regulação da conduta indesejada; e o princípio da racionalidade, que
estabelece que se deve comparar os benefícios e os custos sociais decorrentes
da criminalização, ratificam os argumentos já apresentados
94
.
Conforme demonstra a experiência dos países onde a IVG foi descri-
malizada, as medidas mais eficazes contra o aborto são investimentos em
planejamento familiar e educação sexual; a garantia do direito à creche e o
combate ao preconceito contra a mulher grávida no ambiente de trabalho,
para que as gestantes não sejam confrontadas com uma “escolha de Sofia”
entre a maternidade ou o emprego e, por fim, o fortalecimento da rede de
segurança social, para que um novo filho não seja sinônimo de penúria para
as já desassistidas
95
. Por isso, parece-nos que ao Estado compete apenas se
incumbir do dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à mu-
lher, antes e depois da decisão, seja ela qual for
96
, uma vez que só a ela cabe
sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, refletir sobre
suas próprias concepções e assim, no exercício do direito à privacidade, sem
temor de reprimenda, deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez
97
.
Por fim, importa dizer ainda que o Brasil deve seguir o exemplo de
países como os Estados Unidos, Portugal, França, Alemanha e alguns países
da Europa de Leste que consideram que a mulher grávida é um ser autônomo,
titular do direito de dispor do seu próprio corpo sendo o respeito por esse di-
reito (em condições de igualdade com o direito homólogo atribuído ao homem)
incompatível com um dever de suportar a gravidez. Dever-se-á também consi-
derar que o valor da vida pré-natal não é idêntico em todas as fases da gravidez,
94 Cf. KARAM, Maria Lúcia. Sistema penal e direitos da mulher. In: PIOVESAN, Flávia e GARCIA, Maria (orgs.).
Dou-
trinas essenciais – direitos humanos.
Vol. IV: Grupos vulneráveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 405-427
95 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 41
96 Cf. BIRCHAL, Telma Birchal e FARIAS, Lincoln: Aborto de fetos anencéfalos, in
Ethic@. Revista Internacional de
Filosofia da Moral.
Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 19/30, jun 2009.
97 Voto Min. Marco Aurélio p. 66 ADPF 54 516/DF, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 30/04/2013
(
<www.stf.jus.br>).