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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017

Do mesmo modo, poder-se-á aceitar, numa situação de conflito com outros

bens jurídicos (distintos já da vida ou da integridade física da mãe), o sacri-

fício do nascituro-perspectiva que permite aceitar a justificação do crime

de aborto em algumas hipóteses de conflito com a vida ou a saúde da mãe

(indicação terapêutica); no caso de conflito com a própria liberdade da mãe,

quando a gravidez for resultado de violação (indicação ética) e até no caso de

conflito com a subsistência da mãe e da família, se esta não for socialmente

assegurada (indicação social)

49

.

Podemos iniciar a discussão sobre a constitucionalidade da des-

criminalização da IVG no Brasil, tendo presente que o ordenamento

jurídico brasileiro, assim como os demais aqui estudados, protege a vida

humana intrauterina. Para além da garantia do direito à vida, enquanto

direito fundamental das pessoas, a Constituição protege igualmente a

própria vida humana, o que abrange também a vida pré-natal, mesmo

que ainda não investida numa pessoa. Todavia, este regime de proteção

da vida humana, enquanto simples bem constitucionalmente protegido,

não é o mesmo que o direito à vida, enquanto direito

fundamental das

pessoas

50

, donde decorre que a proteção conferida à vida do nascituro

não é uniforme durante toda a gestação e tem intensidade substancial-

mente menor do que a vida de alguém já nascido, uma vez que a tutela

vai aumentando progressivamente à medida que o embrião se desenvol-

ve, tornando-se um feto e depois adquirindo viabilidade extra-uterina

51

.

Desta forma, tem-se, no tempo de gestação, fator determinante para a

averiguação do nível de proteção constitucional que deve ser atribuído à

vida pré-natal, em cada uma das suas fases.

De todo modo, é preciso reconhecer que a ideia de que proteção à vida

do nascituro não é equivalente àquela proporcionada após o nascimento já

está presente no ordenamento brasileiro, e isto pode ser observado quando

se compara a pena atribuída à gestante pela prática do aborto – 1 a 3 anos de

detenção (art. 124 do Código Penal), com a sanção prevista para o crime de

homicídio simples, que deve ser fixada entre 6 e 20 anos de reclusão (art. 121

do mesmo Código).

52

A percepção geral de que a vida vale muito mais depois

49 Cf. PALMA, Maria Fernanda. A justificação por legítima defesa, Vol. 1, AADFL, Ed. Rev. 2015, p 243 e 568-569

50 Cf. CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital.

Constituição da República Portuguesa Anotada.

2ª ed., vol I. ,

Coimbra: Almedina, 1985, p. 175.

51 Cf. CASABONA, Carlos Maria Romeo.

El Derecho y la Bioetica ante los Limites de la Vida Humana.

Madrid:

Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, pp. 142-161.

52 Rui Pereira sustenta (pp. 95 e 101) que a identiddade de valor da vida pré e pós-natal “pode fundamentar-se na

metafísica e na religião, mas não é imposta pelo direito”. Pelo contrário, a discrepância entre o aborto e o homicídio, a