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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 272 - 285, Janeiro/Abril 2017

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sedimentar o comando ético de respeito à dignidade da pessoa humana

como dever jurídico (art. 1º, III), ao estabelecer como um de seus objetivos

a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos (art. 3º,

III e IV); ao prever a inviolabilidade de interesses existenciais do ser huma-

no (art. 5º, V e X); ao exigir que a propriedade cumpra a sua função social

(art. 5º, XXIII); ao prever a proteção de inúmeros direitos sociais (arts. 6º

a 11º); ao estabelecer como dever do Estado a proteção do consumidor e

estipular que a ordem econômica deve observar a defesa do consumidor

(arts. 5º, XXXII e 170, V).

Assim, o direito constitucional passa a se infiltrar no direito privado,

e não é diferente com a responsabilidade civil, orientando e garantindo uma

interpretação das categorias clássicas do direito privado no ideal de proteger a

pessoa humana em todas as suas dimensões básicas, como em relação à vida,

liberdade e igualdade. Assim, a interpretação e construção do direito civil deve

ser influenciada pelos ditames constitucionais, e o direito civil (com a respon-

sabilidade civil não deve ser diferente) se torna instrumento para a realização

dos bens humanos básicos, como explica Sebastián Ernesto Tedeschi

10

.

Nesse viés, os inúmeros comandos da Constituição impactaram so-

bremaneira no direito privado, determinando agora a prevalência do ser

(interesses existenciais) sobre o ter (interesses patrimoniais e econômicos), o

que tornou o Código Civil de 1916 (marcado por regras abstratas e sem sen-

sibilidade com a vulnerabilidade) incapaz de atender a esse novo horizonte,

marcado por “restrições e limites, voltados para a preservação dos interesses

coletivos, bem como para o desenvolvimento e preservação da dignidade

do cidadão, ausentes no sistema clássico do direito civil, consolidado no

Código de 1916”

11

.

Nessa perspectiva, as categorias clássicas do direito privado, como a

responsabilidade civil, passaram a ganhar releitura e redimensionamento,

para ter a sua atuação em harmonia com os interesses existenciais protegidos

pela Carta Magna, visto que a superação do modelo burguês implicou em

um controle das práticas privadas pelo Estado (Legislador, Juiz ou Execu-

10 De un derecho privado construido sobre la base de la parte general y el derecho de las obligaciones del derecho civil

hemos passado al fenómeno inverso. Podemos mencionar la crisis de la noción de persona, que recibió el impacto de

la genética creando nuevos status jurídicos; los derechos personalíssimos, que surgen em los tratados y constituciones,

y desde allí penetran en los códigos (TEDESCHI,

El Waterloo del

Código Civil Napoleónico: una mirada crítica a

los

fundamentos del Derecho Privado Moderno para la construcción de sus nuevos princípios generales

. In:

COURTIS, Christian.

Desde outra mirada

., p. 169/170).

11 RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In: FACHIN,

Luiz Edson. (Coord.).

Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo

, p. 7.