

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 272 - 285, Janeiro/Abril 2017
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tivo), no qual “a cidadania deixa de ser considerada apenas uma relação
política entre o indivíduo e o Estado, para se fazer presente em outros níveis
e espaços sociais e econômicos, como, por exemplo, na empresa”
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Nesse contexto, a subsistência da neutralidade do Estado na eco-
nomia poderia representar a perpetuação do domínio econômico de uns
sobre outros, a manutenção de práticas ultrajantes e censuráveis e a inten-
sificação das desigualdades sociais e econômicas. Em outras palavras, o
Estado acabaria por privilegiar que “a vontade dos fortes passasse a domi-
nar e oprimir, acabando por tornar-se um regime de privilégio dos fortes,
baseado numa ética individualista”
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.
É justamente nessa grave distorção que a responsabilidade civil pode
se impor como instrumento de efetividade da dignidade humana, solida-
riedade social e justiça distributiva, nos casos em que restar caracterizada
a violação de direitos e/ou interesses juridicamente protegidos no plano
abstrato (dano-evento) sem a consolidação da consequência lesiva (dano-
-prejuízo). De que modo? A partir da imposição de uma verba indenizató-
ria de cunho punitivo-preventivo, denominada de
punitive damages
(in-
denização punitiva), fomentando um desestímulo de cunho econômico a
atividades ou condutas violadoras de direitos e potencialmente causadoras
de danos-prejuízos, ao mesmo tempo em que impõe um padrão de com-
portamento socialmente desejável, inibindo outros potenciais violadores
de direitos a não incorrer na mesma prática.
Tal reconstrução da responsabilidade civil, engendrada pelo prota-
gonismo da Constituição de 1988 como centro irradiador de princípios
para o direito privado, fomenta a proteção da dignidade, na medida em
que inibe condutas potencialmente causadoras de danos à pessoa humana,
considerando o desestímulo imposto pela verba indenizatória, que tornará
desvantajoso violar direitos.
No mesmo sentido, a responsabilidade civil atua como um meca-
nismo de efetivação da solidariedade social, impondo que nas atividades
e práticas, no momento da escolha da qualidade e segurança, seja conside-
rado o bem do outro como razão para o agir. Ou seja, o que é improvável
de ocorrer no bojo de relações privadas de massa se torna viável a partir do
receio de sanção com uma indenização de cunho punitivo e preventivo,
o que acaba por fixar um padrão de comportamento desejável, fazendo
12 Idem, p. 7.
13 Idem, p. 5.