

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 272 - 285, Janeiro/Abril 2017
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A ideia de completude representada pelo movimento de codificação
teve como pressupostos a concepção de que o direito corresponde à von-
tade soberana, sendo o direito reflexo da “vontade do legislador”, motivo
pelo qual o direito poderia ser equiparado a qualquer outro conhecimento,
havendo para cada problema jurídico uma resposta previamente fixada e
adequada, como acentua Sebastián Ernesto Tedeschi: “Las reglas del derecho
son proposiciones y, como tales, son predicaciones de una cualidad de um
ente. (...) Los elementos que constituían esta ideologia era: descriptivismo,
sistematicismo y conceptualismo”
6
.
Deste modo, no modelo liberal, a autoridade do Estado não se mani-
festava nas miríades das relações privadas, pois se concebia que nessa esfera o
Estado deveria ser neutro e a economia e iniciativa privada livres. Contudo,
o fundamento da referida inércia estava calcado numa concepção de igual-
dade puramente formal e de liberdade, ambas falaciosas, trazendo como
consequência “a prevalência dos valores relativos à apropriação de seus bens
sobre o ser, impedindo a efetiva valorização da dignidade humana, o respei-
to à justiça distributiva e à igualdade material ou substancial”
7
.
Acreditava-se que a competição no âmbito privado e o livre mercado
sem a intervenção estatal trouxesse “de maneira não intencional, a harmonia
social e o interesse geral”
8
, porém as escolhas e estratégias no mundo dos
negócios no tocante à qualidade e segurança “são debatidas num contexto
de custo e benefício” (Tradução Livre)
9
, o que apenas reflete a fraca noção
de vínculos de dependência e solidarização no âmbito das relações privadas,
marcado pelo valor da competitividade e não da dignidade humana, justiça
distributiva e solidariedade.
Destarte, iniciou-se um movimento constitucional atento às exigên-
cias sócio-econômico-culturais, tão carentes no modelo jurídico liberal,
sendo a Constituição Federal de 1988 no Brasil um exemplo disso, que
impôs claramente limites à ordem econômica e à iniciativa privada ao
6 TEDESCHI, Sebastián Ernesto.
El Waterloo del
Código Civil Napoleónico: una mirada crítica a
los fundamentos
del Derecho Privado Moderno para la construcción de sus nuevos princípios generales
. In: COURTIS, Chris-
tian. Desde outra mirada, p. 164.
7 RAMOS, Carmem Lúcia Silveira.
A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras.
In:
FACHIN, Luiz Edson. (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 5.
8 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski.
A responsabilidade civil por danos produzidos no curso de atividade econô-
mica e a tutela da dignidade da pessoa humana: o critério do dano ineficiente.
In: BODIN, Maria Celina Bodin;
et al. (Org). Diálogos sobre direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,
p. 142.
9 SEBOK, Anthony J.
Punitive damages: from myth to theory
.
Iowa Law Review,
Vol. 92, 2007, p. 166.