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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
possível admitir a prevalência de um deles
40
.
Esse tema em particular, foi
um dos mais debatidos em todas as Cortes que já realizaram o controle
constitucional da descriminalizão da IVG.
Na Alemanha, no julgamento, conhecido como “Aborto I”
41
, a Corte
entendeu que a proteção à vida não deveria fazer distinção entre o ser hu-
mano “pronto” e o nascituro e rechaçou a alegação de que o direito à vida
só começaria com o nascimento. Reconheceu que, ainda que a relação feto-
-gestante fosse bastante peculiar, o nascituro é um ser em desenvolvimento,
independente, dotado de dignidade e merecedor de proteção constitucional,
o que deveria iniciar-se a partir do 14ª dia de gestação (momento aproxima-
do em que se dá a nidação do óvulo no útero materno)
42
.
Sobre o mesmo tema o Tribunal Constitucional Português, no exercí-
cio de controle preventivo de constitucionalidade da Lei n. 06/84 que passou
a permitir o aborto nos casos de risco à vida ou à saúde física ou psíquica
da mãe, feto com doença grave e incurável e gravidez resultante de violência
sexual e que foi impugnada em razão de suposta violação ao direito à vida
do nascituro, entendeu que a Constituição tutela o direito à vida do feto,
mas não com a mesma intensidade com que protege o direito à vida de
pessoas já nascidas, e que a questão da autorização legal do aborto depende
de ponderação entre este direito à vida do nascituro com outros direitos
fundamentais da mãe
43
.
Em 1985, a problemática relacionada à existência de
um direito à vida por parte do nascituro voltou a ser aflorada, em sede de
fiscalização sucessiva, pelo Tribunal Constitucional. No Acórdão nª 85/85 o
entendimento majoritário foi no sentido de que só pessoas podem ser titu-
lares de direitos fundamentais – uma vez que não há direitos fundamentais
sem sujeito – o que não vale diretamente para a vida intrauterina e para os
40 Cf. ESPANHA. Acórdão 53/1985, de 11 de abril, Proyecto de Ley Orgánica de reforma del artículo 417 bis del Códi-
go penal (BOCG de 25 de febrero de 1983). Disponível em
<http://www.tribunalconstitucional.es/es/jurisprudencia/restrad/Paginas/JCC531985en.aspx.> Acesso em 18 maio de 2016
41 Em 1974, uma reforma do Código Penal alemão havia descriminalizado o aborto praticado por médico, consentido
pela gestante, nas 12 primeiras semanas de gestação mas, contra esta lei, foi ajuizada uma ação abstrata de inconstitucio-
nalidade perante o Tribunal Constitucional Federal, julgada em 1975, que acabou por criminalizar a IVG, exceto nos casos
de risco à saúde da mãe e em casos de patologias fetais. Cf. PEREIRA, Rui, Op. Cit. p.85
42 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit. p.19
43 “A idéia de uma capacidade jurídica apenas restrita do nascituro perde ... o caráter chocante se se considera que o
nascituro, enquanto já concebido, é já um ser vivo humano, portanto, digno de proteção, mas enquanto ‘não nascido’, não
é ainda um indivíduo autônomo e, nesta medida, é só um homem em devir... (...) E assim, o conflito dos dois bens ou
valores pode ter uma solução diferente daquela que teria se o conflito se desenhasse após o nascimento. Para o demons-
trar basta a tradição jurídica nacional que nunca equiparou aborto ao homicídio. As concepções sociais dominantes são
no mesmo sentido.” Cf. PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão 25/84, de 4 de Abril. Diário da República - 2.ª
série, nº 80, de 04.04.1984.