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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017

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milhão, acarretando, frequentemente, para além da morte do nascituro, graves

consequências físicas e psíquicas para as mulheres e uma quantidade ínfima

de processos instarurados e/ou condenações são proferidas, pode-se concluir

que o “sistema penal está em crise enquanto tutor da vida pré-natal” e que a lei

penal parece ter sido pervertida, convertendo-se num espaço de mero debate

ético. Assim, torna-se premente a indagação: Fará sentido, ainda assim, manter

a incriminação do aborto?

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2. Análise do debate constitucional da interrup-

ção voluntária da gravidez no Brasil e no Direito

Comparado

A análise deste tema envolve, essencialmente, o confronto entre os

interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro

lado, os interesses de parte da sociedade que deseja proteger todos os que

a integram – seja os que nasceram, seja os que estejam para nascer. Para

tal, buscamos suporte nas experiências estrangeiras para atestar o grau de

complexidade da matéria que ainda precisa ser enfrentada no Brasil

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e ave-

riguar se a tipificação penal da interrupção da gravidez coaduna-se com a

Constituição, notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a

dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da

liberdade, da privacidade e da saúde da mulher.

2.1 Proteção jurídica da vida humana intrauterina

A análise da constitucionalidade da IVG passa obrigatoriamente

pela ponderação entre a vida do embrião e outros direitos da gestante que

não a própria vida, na medida em que nenhum dos interesses em conflito

tem caráter absoluto

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. O intérprete constitucional não pode contemplar

somente a perspectiva dos direitos da mulher nem a proteção da vida do

nascituro pode prevalecer incondicionalmente frente a esses direitos e, por

isso, deve ponderar os bens e direitos, harmonizando-os no que for pos-

sível ou, em caso contrário, precisando as condições e requisitos em que é

37 Cf. PEREIRA, Rui Idem, p.79.

38 Cf. ADPF 54 DF, Op. cit. Voto Voto Min. Gilmar Mendes p. 276.

39 Esse foi o entendimento do Conselho Constitucional francês em 1975 quando realizou o controle preventivo da cons-

titucionalidade da Lei nº 75-17 que permitia à mulher grávida interromper a gravidez durante as primeiras dez semanas

de gestação. Cf. decisão reproduzida em FAVOREAU, Louis; PHIPLIP, Löic.

Les Grandes Décisions du Conseil

Constitutionnel.

10e. ed., Paris: Dalloz, 1999, (pp. 317-318). p. 17.