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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017

16

as

mulheres negras

, o índice de aborto provocado (3,5% das mulheres) é o

dobro daquele verificado entre as brancas (1,7% das mulheres)

17

.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde

(SUS) realizou, em 2014, pouco mais de 1.600 abortos legais. Destes, cerca

de 90% ocorreram em decorrência de gestação resultante de estupro, 5%

por anencefalia do feto e 1% por risco de vida para a mulher. Este núme-

ro, quando comparado ao número de procedimentos realizados pelo SUS

relacionados, em sua maior parte, a complicações pós-aborto – que é de

cerca de 190 mil por ano

18

–, evidencia uma diferença considerável e, para

entendê-la é preciso ter claro que esses números são apenas uma ponta

do iceberg: por um lado, dadas as dificuldades para realizar-se um aborto

no Brasil, muitas mulheres que teriam direito a ele recorrem às clínicas

clandestinas e, por outro, estudos realizados desde 1992 sobre estimativas

de abortos revelam que o número de abortos induzidos é quatro ou cinco

vezes maior do que o de internações

19

.

Entretanto, na vida de todos os dias, o aborto clandestino não é ne-

cessariamente inseguro. Ele pode ser feito em clínicas clandestinas, porém

com todas as condições de higiene e por médicos treinados, quando a mu-

lher tem dinheiro para pagar. Se uma mulher de classe média ou alta engra-

vidar e, por diferentes motivos, essa gravidez for indesejada, ela vai a uma

clínica particular, paga entre 5 e 15 mil reais e interrompe a gestação com

segurança. Seus dilemas são pessoais e internos, já que a decisão de abortar

costuma ser difícil, mesmo quando há convicção pessoal de que é impossível

levar aquela gestação adiante, mas essa mulher não precisa temer ser presa e,

muito menos, morrer por um aborto mal feito. Já para as mulheres pobres,

abortar significa correr o risco de ser presa ou de morrer. Como uma clínica

segura custa entre 6 e 17 salários mínimos, as brasileiras pobres só podem se

arriscar a métodos muito inseguros e, mesmo assim, o fazem por acreditar

que o risco é menor do que levar a gestação até o fim

20

.

Assim, diante deste panorama perverso, cabe-nos compreender o que

legitima a criminalização se, ao longo da vida reprodutiva, um quinto das

17 Cf. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013

.

Disponível em <http://

www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pns/default.asp?o=23&i=P

>. Acesso em 25 abr. 2016.

18 Cf. Relatório elaborado pelo governo brasileiro para o evento “Pequim + 20”, Op. cit, 2015, p. 32.

19 Cf. MONTEIRO, Mario Francisco; GIANI; Adesse, Leila. Estimativas de aborto induzido no Brasil e Grandes Re-

giões (1992-2005). p.47. Disponível em

<http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_252.

pdf>. Acesso em 26 abr. 2016.

20 Cf. BRUM, Eliane. Sobre aborto, deficiência e limites, 2016.

Jornal El País.

Disponível em

<http://brasil.elpais.com/

brasil/2016/02/15/opinion/1455540965_851244.html>. Acesso em 15 fev 2016.