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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 168 - 187, Janeiro/Abril 2017
menos por enquanto não há no horizonte histórico sinal de um possível
retrocesso substancial na globalização dos mercados.
Todos esses fatores, associados ao mencionado relativo vácuo biblio-
gráfico das últimas décadas, agravado pela recente edição do Estatuto das
Estatais – Lei nª 13.303, de 30 de junho de 2016 –, demonstram a necessi-
dade de a atuação direta do Estado na economia e das estatais ser objeto
de novas abordagens, devendo todas as regras a elas pertinentes, das mais
vetustas às do Estatuto, ser interpretadas e aplicadas evolutivamente.
77
A realidade econômica e a prática institucional brasileira fizeram
com que novas estratégias de atuação das empresas estatais se impuses-
sem empiricamente, sem maiores reflexões doutrinárias prévias. Nesse
contexto, enquanto se pode simplesmente considerá-las, pelos padrões
tradicionais do direito administrativo, ilegítimas, poder-se-ia também
admiti-las acriticamente por um imperativo prático. Em ambas as alter-
nativas algumas dessas novas estratégias ficariam em estado de semiano-
mia, em um limbo jurídico
78
O Estatuto das Estatais de 2016, tratando exaustivamente de temas
fulcrais – como o próprio conceito destas, sua governança corporativa,
requisitos da inserção de preocupações de interesse público em suas ati-
vidades, suas licitações e contratos –, demanda um esforço de atualização
considerável. E isso não se deve tanto ao fato de o Estatuto ser um novo
diploma legislativo, com quase cem artigos, ou de a legislação anterior
datar de décadas atrás. Esses são fatores relevantes, mas o mais forte deles
77 A interpretação evolutiva consiste na atribuição de novos conteúdos à norma legal, sem que o seu texto seja modifica-
do. A necessidade de atribuição de novos sentidos às normas deriva da transformação dos fatos sociais, insuscetíveis de
previsão pelo Poder Legislativo (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de
uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 282-283). Na doutrina nacional, o
tema de interpretação evolutiva é mesmo abordado principalmente no âmbito do direito constitucional, em razão do cará-
ter rígido da Constituição Federal. Na hermenêutica constitucional, o método de interpretação evolutiva pode possibilitar
a mutação constitucional, que “consiste em uma alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem a
observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem que tenha havido qualquer
modificação de seu texto. Esse novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer de uma mudança
na realidade fática ou de uma nova percepção do Direito”. BARROSO, Luís Roberto.
Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo
. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2013, p. 148-149. A respeito do tema, ver também MENDES, Gilmar
Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de direito constitucional
. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010. Para mais detalhes sobre interpretação evolutiva e mutação constitucional, o clássico JELLINEK,
Georg.
Reforma y Mutación de la Constitución.
Tradução espanhola de Christian Förster, Madri: Centro de Estudios
Constitucionales, 1991. p. 15-35.
78 Não desconhecemos, naturalmente, o papel que os princípios podem e devem ter em temas novos para lhes dar alguma
disciplina, mas, sobretudo em temas tão concretos, como a participação minoritária de estatais, o exercício das suas ativi-
dades fora do território do ente federativo que as instituiu etc. há de se ter bastante cautela. Sobre problemas relacionados
ao uso frequente e desparametrizado de princípios, sobretudo no âmbito do direito administrativo, SUNDFELD, Carlos
Ari. Princípio é preguiça. In:
Direito Administrativo para Céticos
. 2. ed. São Paulo: Direito GV/ Malheiros, 2012., p.
205-229.