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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 168 - 187, Janeiro/Abril 2017
pressupõe em si algum tratamento, por ele, de matérias econômicas, e que
o mercado, enquanto instituição, só pode existir e proliferar em razão da
existência do Estado e do seu Direito. Sendo assim, não se pode afirmar
que o direito é um terreno exógeno à economia, nem vice-versa. Nesse
sentido, FERNANDO FACURY SCAFF:
“Qualquer expressão que denote ‘intervenção’ do Estado no
domínio econômico é, em si, temerária, pois induz a crer que
o Estado e a economia são coisas distintas, e que ao agir no
domínio econômico o Estado o faz em um lugar que não lhe
é próprio. Cremos que tal concepção de separação entre o
econômico e o político não tem como subsistir.”
16
Sendo assim, mais correto seria falar de
atuação
do Estado
17
em
relação à economia (e também vice-versa, de atuação da economia sobre o
Estado), do que se referir a “intervenção” ou a “interferência” do Estado
na economia. Todos esses subsistemas sociais (direito e economia) são es-
truturalmente acoplados e, consequentemente, inter-relacionados.
18
As formas e intensidades dessa atuação do Estado em relação à eco-
nomia variam de acordo com o contexto político-ideológico prevalente em
cada sociedade e momento, conforme positivado pelo legislador e pelo Po-
der Executivo, obedecidos os limites mínimos e máximos de atuação estatal
fixados na ordem econômica constitucional, que, na maioria dos Estados
contemporâneos, deixa uma ampla margem de opção à política majoritária.
16 SCAFF, Fernando Facury. Ensaio sobre o Conteúdo Jurídico do Princípio da Lucratividade.
Revista de Direito Admi-
nistrativo,
224, p. 334, 2001. No mesmo sentido, criticando o termo “intervenção”, SOUSA, Washington Peluso Albino
de.
Direito Econômico
. São Paulo: Ed. Saraiva, 1980. p. 398.
17 Esse será o termo preferencialmente adotado por nós. Todavia, sendo apenas questão de nomenclatura e já feito esse
esclarecimento semântico, poderemos vez ou outra lançar mão também do tradicional termo “intervenção”.
18 Partindo da ideia trazida pela Teoria Sistêmica do Direito, GUNTHER TEUBNER ilustra que o Direito não pode
ser apenas visto por sua dimensão normativa, mas também por sua dimensão fática e social. O autor destaca que há uma
dupla autopoiese, jurídica e social, devendo o direito se valer dos fatos de modo a se modificar e se ajustar à sociedade.
É partindo dessa ideia que podemos relacionar, ainda, o direito e a economia. O meio econômico também deve ser es-
sencial para a transformação do direito, permitindo que a sua regulação e a produção de normas jurídicas se adéquem às
necessidades econômicas que surgirem, e vice-versa. Assim, também partindo das ideias de Teubner, vislumbra-se uma
interação circular entre o direito e a economia. TEUBNER, Gunther.
O direito como sistema autopoiético.
Trad. José
Engrácia Antunes. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 139. Teubner, em
Direito, Sistema e Policontextualida-
de
, reitera que a autonomia dos sistemas do direito e da economia não reflete a independência dos mesmos. A autonomia
do sistema jurídico autopoiético consiste apenas na característica circular de produção do direito, e não no isolamento
deste em relação aos outros sistemas, tal como a economia. TEUBNER, Günther
.
Direito, Sistema e Policontextua-
lidade.
Piracicaba: UNIMEP, 2004. p. 137-141. A teoria dos sistemas distingue-se, assim, das teorias marxistas sobre as
relações entre o direito e economia por não determinar necessariamente o direito (superestrutura) em razão da economia
(infraestrutura). A relação entre a economia e o direito, na teoria dos sistemas, deve ser entendida a partir da distinção
dos conceitos de independências, autonomia e autopoiesis. Em síntese, os sistemas jurídico e econômico são autônomos,
mas não independentes.