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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 168 - 187, Janeiro/Abril 2017
centrais de uma sociedade harmônica e, a partir do momento em que
o Estado busca se legitimar entre os membros da sociedade, auferindo
as suas próprias receitas para dar conta das funções necessárias a tanto
e disciplinando os comportamentos humanos perniciosos (inclusive os
de caráter econômico), de alguma maneira será inevitável influenciar os
fluxos econômicos.
Na verdade, a própria existência do Estado e de outros entes a
ele similares, como blocos regionais, já é, por si só, uma intervenção na
economia.
4
Todo Estado historicamente teve que tributar as atividades econômi-
cas nem que fosse para pelo menos manter a sua própria máquina, pros-
crever o exercício de algumas delas, estabelecer requisitos, por mais básicos
que fossem, para o seu exercício e atender necessidades que o mercado não
supria, não só as necessidades dos hipossuficientes, como também provendo
as infraestruturas necessárias ao próprio exercício de atividades econômicas
dos particulares.
5
Em segundo lugar, o próprio mercado é uma criação do Direito ema-
nado do Estado.
6
O mercado, tal como apresentado nas economias capi-
talistas contemporâneas, é indissociável do direito estatal. Não obstante a
mão invisível do mercado constitua o ideal do pensamento liberal clássico,
o direito é indispensável para a normatização e solidificação de categorias
econômicas essenciais, como a propriedade, os títulos de crédito e as socie-
dades comerciais.
7
bens e serviços é determinado por um conjunto de escolhas racionais em um mundo no qual os recursos são limitados
em relação aos desejos individuais.
4 “A própria existência do Estado e da ordem jurídica significa uma intervenção: o Estado e a ordem jurídica são pres-
supostos inerentes à economia”, MOREIRA, Vital.
A ordem jurídica do capitalismo.
Coimbra: Centelha, 1973. p.
198-199.
5 As possibilidades de promoção de infraestrutura pelos Estados não é consensual entre as diferentes teorias econômicas.
Os economistas clássicos e neoclássicos propõem uma separação mais sensível entre o Estado e o mercado. Teorias
econômicas clássicas mais ortodoxas, como a de Adam Smith, em
A Riqueza das Nações
, sustentam que as funções básicas
do Estado devem restringir-se à defesa, ao direito como regulador de alguns fatos sociais, como a propriedade privada, a
estrutura da competição e da cooperação e, por fim, a ordem. As teorias estruturalistas, as quais defendem uma atuação
mais extensiva do Estado na economia, defendem que as funções do Estado extrapolam a capacidade de determinação
e garantia do sistema jurídico, devendo também criar as condições materiais de produção, mais comumente conhecida
como a infraestrutura, além de garantir a mediação entre salário e capital. A respeito ALT, James E.; CHRYSTAL, K.
Alec.
Political Economics.
Berkeley: University of California Library, 1983. p. 175-197. Na prática, sempre se proveu
infraestrutura para os empresários, mesmo no liberalismo.
6 O mercado, a fim de sobreviver como instituição, não pode prescindir de proteção externa. Para tal função protetiva o
direito tem sido tradicionalmente presente. “Sem esta garantia externa, por conseguinte, o mercado não tem um elemento
muito importante para a sua institucionalização.” FERRARESE, Maria Rosaria.
Diritto e mercato:
Il caso degli Stati
Uniti. Torino: G. Giappichelli, 1992. p. 72.
7 SINGER, Joseph William. Democratic States: Property Law in a Free and Democratic Society.
Harvard Public Law
Working Paper
,
n. 08-42, 61 p., 2008:
http://ssrncom/abstract=1278136. Acesso em: 10 dez. 2014, p. 50.