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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 168 - 187, Janeiro/Abril 2017
A estruturação do direito contribuiu decisivamente para o desen-
volvimento do capitalismo e do mercado, o que demanda previsibilidade
e garantia das transações e dos fluxos de bens e serviços, assegurados por
uma ordem jurídica estruturada.
8
RICHARD POSNER chega a atribuir
o fracasso econômico de certos países ao baixo nível de estruturação e
organização do sistema jurídico e, portanto, à ineficiência da garantia dos
contratos e das propriedades privadas. O mercado, dessa maneira, é reflexo
e criação do direito estatal.
9
Não desconsideramos que as trocas econômicas em comunidades pri-
mitivas, em valores pouco significativos ou em operações de troca imediatas,
poderiam se dar sem a guarida do Estado. Porém, o mercado enquanto
instituição, enquanto interação permanente do conjunto de atores sociais, é
criado, limitado, garantido e fomentado pelo Estado. Para a segurança das
relações econômicas é necessário o
placet
do Estado. Por mais que haja san-
ções informais do próprio mercado e mecanismos sociais de
soft law
,
10
ainda
não é possível se imaginar operações econômicas de grandes proporções sem
que possuam, ao menos potencialmente, a coercitividade estatal contra even-
tuais inadimplementos, má-fé ou controvérsias interpretativas.
11
Nesse sentido, devemos lembrar também as atuações estatais em defe-
sa da concorrência, que limitam a liberdade de mercado para assegurar a sua
própria subsistência, ou que levam o Estado a também atuar no mercado, já
que o sucesso de agentes privados pode prejudicar a existência e o dinamis-
mo do próprio mercado, dificultando ou mesmo impedindo a entrada de
concorrentes. O Estado, portanto, paradoxalmente, para assegurar a existên-
8 WEBER, Max.
A ética protestante e o espírito do capitalismo.
2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 68-69.
9 POSNER, Richard.
Economic Analysis of Law.
Austin: Wolters Kluwer Law & Business, 2007. p. 258.
10 As
soft laws
são “pautas meramente interpretativas que, apesar de possuírem estrutura jurídica, não têm conteúdo
obrigatório.”, SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Judicialização de políticas: uma introdução à temática do controle judicial
sobre as respostas dos poderes públicos às demandas sociais. In:
Direito Administrativo Contemporâneo.
Rio de
Janeiro: Ed. Elsevier, 2010. p. 1-28, p. 4. A chamada
soft law
é por vezes relacionada ao Direito Administrativo Global e
é uma nomenclatura bastante comum ao Direito Internacional. Sobre o direito administrativo global, remete-se às lições
de Sabino Cassese, que vai inserir a
soft law
na sistemática das relações globais, contrapondo-a à
hard law
, juridicamente
vinculante. Para mais considerações acerca do tema, CASSESSE, Sabino. Global Administrative Law: An Introduction.
Journal of International Law and Politics
, v. 37, nº 4, p. 663-694, 2005, Summer.
11 Não obstante algumas escolas econômicas defendam que o livre funcionamento do mercado leva naturalmente à
satisfação do bem comum, na prática, não se verificou, até os dias de hoje, modelo pleno de autorregulação autônoma
do mercado. Segundo Marçal Justen Filho, “a intervenção estatal é condição de possibilidade da existência do mercado”.
JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de Direito Administrativo.
10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 693. A
respeito também FERRARESE, Maria Rosaria.
Diritto e mercato:
Il caso degli Stati Uniti. Torino: G. Giappichelli, 1992.
p. 72. GRAU, Eros Roberto. O Discurso Neoliberal e a Teoria da Regulação. In: CAMARGO, Ricardo A. L. (org.).
De-
senvolvimento Econômico e Intervenção do Estado na Ordem Constitucional.
Estudos Jurídicos em homenagem
ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, e GRAU, Eros Roberto.
A
ordem econômica na constituição de 1988.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.