

13
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
O aborto necessário ou terapêutico é justificável pelo estado de ne-
cessidade
7
, em face de diagnósticos médicos que atestem inviabilidade da
vida da gestante sem a interrupção da gravidez. Na escolha entre os dois
bens jurídicos, a vida da gestante ou a do feto, opta-se pela certeza da vida
adulta, afastando-se o que ainda é uma possibilidade, sobrevalorizando-se a
vida da gestante em detrimento da do feto. Neste caso, o Código Penal não
considera o ilícito do procedimento adotado, mesmo sem o consentimento
da gestante, “se justificada por iminente perigo de vida” (art. 146, § 3ª° CPB).
A segunda excludente de ilicitude relativa ao aborto é aquela em que a gravi-
dez é resultante de estupro, chamado de aborto sentimental, humanitário ou
ético
. Neste caso,
ainda que o feto seja perfeitamente viável, dada a violência psí-
quica da ocorrência e a provável complexidade da relação entre mãe e filho
resultante do estupro, a legislação penal desde 1940, tutela a saúde psíquica
da mulher, deixando à sua escolha a continuidade ou não da gravidez. Com
efeito, é possível aferir um norte interpretativo a partir das opções do legis-
lador, que transitaram entre o estado de necessidade, na primeira hipótese,
e a inexigibilidade de conduta diversa, nesta última, sobre o que trataremos,
com mais vagar, nas próximas páginas.
Em 2012, a partir do julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 54 pelo Supremo Tribunal Federal, a interrupção
de gravidez de feto anencéfalo foi descriminalizada. O Tribunal, por maioria e
nos termos do voto do Relator, declarou a inconstitucionalidade da interpreta-
ção segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta
tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal. Preva-
leceu a tese de que, nestes casos, não haveria vida a ser protegida, que a anencefa-
lia é uma condição incompatível com a vida e que a obrigação de levar a termo
uma gravidez em que, ao final, haveria um caixão e não um berço seria uma
afronta à dignidade da mulher e uma forma de submetê-la à tortura
8
.
Todavia, ainda que, no Brasil, o aborto só seja legalmente permitido
nesses três casos, não é o que se observa na prática. Um dos pontos de parti-
da deste estudo é a constatação empírica de que a criminalização do aborto
obriga, segundo as estimativas mais comedidas, aproximadamente 1 milhão
7 Cf. Zaffaroni e Pierangeli, “o estado de necessidade resultará de conformidade com o direito (justificante), quando a
afetação do bem jurídico que causa a conduta do necessitado resulta de menor lesão a um bem jurídico que corria perigo
de sofrer. Em termos mais sintéticos, mas também menos precisos (...) o estado de necessidade é justificante quando o mal
que se causa é menor do que aquele que se evita.” (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique.
Manual
de Direito Penal Brasileiro
- Parte Geral. Vol. 1. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015).
8 Cf. STF ADPF 54 DF, Relator: Min. AURÉLIO, Marco. Publicado no DJ de 12/04/2012. Voto Min Relator: Marco
Aurélio, p. 54. Disponível em
<www.stf.jus.br>. Acesso 24 fev 2016