

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 9 - 38, Janeiro/Abril 2017
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direitos fundamentais e analisar a constitucionalidade da interrupção volun-
tária da gravidez no Brasil a partir dos preceitos que garantem a dignidade
da pessoa humana, o direito à vida e à saúde, a proteção da autonomia, da
liberdade, da privacidade e o reconhecimento pleno de direitos individuais,
especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Além dis-
so, buscaremos suporte no Direito Comparado, analisando como evoluiu
o debate jurisdicional nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e em
Portugal e como essas nações lidaram, ou ainda lidam, com essa questão tão
importante quanto polêmica.
Assim, este estudo pretende através da ponderação de valores consti-
tucionais, aferir a (in)constitucionalidade da criminalização do aborto nos
casos em que haja risco comprovado à saúde física ou psíquica da gestante.
Desde já, parece-nos que a resposta para essa questão reside na consideração
do sofrimento materno envolvido na continuação da gravidez e na criação
de uma criança “pesadamente onerosa na sua saúde e/ou no seu corpo”
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e
no reconhecimento de que a sociedade não tem meios de resolver ou com-
pensar a mulher grávida das dificuldades psicológicas e sociais por que teria
de passar. Neste contexto, a revisão da legislação sobre aborto, elaborada
em 1940 sem qualquer atenção em relação aos direitos humanos básicos da
mulher, muito mais do que uma mera opção política do legislador, torna-se
um verdadeiro imperativo constitucional.
1. A interrupção voluntária da gravidez no Bra-
sil: comportamento social diante da atual crimi-
nalização
A primeira interpretação do conjunto normativo penal em foco
é a de que é crime antecipar a gravidez do feto, de modo a inviabili-
zar a formação do respectivo ciclo biológico. Noutros termos, para a
criminalização do aborto é suficiente a conduta provocada ou con-
sentida, com intuito de impedir que um feto venha a concluir todo o
ciclo da sua formação. Desde 1940, o ordenamento jurídico brasileiro
convive com duas hipóteses de interrupção da gravidez permitidas pela
legislação
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: o aborto necessário ou terapêutico e o aborto sentimental,
humanitário ou ético.
5 FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Comentário ao § 37 do artigo 142º do Código Penal, in
Comentário Conimbricense do
Código Penal
, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999.
6 Cf. CPB, art. 128, incisos I e II.