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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 25 - 38, Janeiro 2017

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BAUMAN

27

diz que: “para encurtar uma longa história, a maio-

ria de nós, a maior parte do tempo, aceita a oferta e se abandona à

tarefa vital de fazer o melhor possível”. É verdade que a quantidade

colossal de trabalho e a economia de energia humana andam prota-

gonizando cenas judiciárias indesejadas. Por outro lado, não se pode

perder de vista que uma das funções do processo penal é a garantia

dos direitos do acusado, cuja importância não pode sucumbir a uma

simplista análise matemática de tempo e trabalho.

O Poder Judiciário não é o asno de Buridan. Pode (e deve)

andar para um dos lados. Obedecer o

non liquet

. No seu tempo.

Em um universo lúdico, esse tempo que antecede a catarse da

tragédia (sentença) chega a ser um interessante momento de refle-

xões, explanações, em que o condenado pode difundir seus pen-

samentos confessos, sem remorsos, mesmo os mais espúrios, como

BORGES fez em

Deutsches Requiem

:

“Agora as coisas mudaram; nesta noite que precede minha

execução, posso falar sem medo. Não pretendo ser perdoado,

porque não sinto culpa, mas quero ser compreendido (...) Eu

sei que casos como o meu, excepcionais e assombrosos agora,

serão muito em breve triviais. Amanhã morrerei, mas sou um

símbolo das gerações futuras”

28

.

Não obstante, na vida real, é absolutamente incompatível com

a ideia de ampla defesa (garantia constitucional), a coação de um

Réu para se tornar mártir. Não se exige ato heroico de nenhuma

parte processual, ainda que com habilidade argumentativa seja a ex-

planação defensiva a ele equiparado.

Por vezes, o direito à ampla defesa é gravemente cerceado pela

falta de tempo hábil ao seu exercício. As consequências são trágicas.

A dicotomia celeridade x eficiência nem sempre se equaciona pelas

práticas processuais cotidianas no ambiente forense.

Não se pretende, aqui, discutir as causas da morosidade do Po-

der Judiciário e a sumarização dos procedimentos (o que já foi cha-

mado de dromologia, por GOMES

29

), mas a sua consequência é sabi-

27 BAUMAN. Zygmunt.

A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós?

Rio de Janeiro. Zahar. 2015, p. 32.

28 Borges, Jorge Luis.

O Aleph

. São Paulo: Companhia das Letras. 2008, p. 74.

29 GOMES, Décio Alonso. "Rápida Abordagem sobre Dromologia no Processo Penal",

in

:

Temas Para Uma Perspectiva