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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 9 - 24, Janeiro 2017

desejem perseguir; no tocante à vida social, a burocracia e as deci-

sões oficiais são soberanas.

Ressalta-se que a sociedade de consumidores está imbricada

com a sociedade de trabalhadores

5

, pois o consumo desenfreado do

homem caracterizado pela voracidade da substituição rápida de mo-

bílias, carros, celulares, roupas e demais objetos do mundo engloba

um processo produtivo composto de uma massa de trabalhadores

para dar conta de imprimir alta produtividade em face da velocidade

com que os itens de consumo são tragados e descartados.

É nesse sentido que se diz que o

animal laborans

venceu no

mundo moderno, porque a abundância e efemeridade do mesmo são

características próprias do homem que visa à manutenção da vida,

em contraste com o

homo faber

, que despende esforços para que os

objetos fabricados sejam efetivamente utilizados e tenham durabili-

dade e permanência no mundo. Ou seja, o ciclo interminável da vida

(caça, pesca, reprodução etc.) se encaixa no ciclo interminável do

consumo, e em ambas a fronteira entre a humanidade e a animalida-

de são estreitas.

É possível relacionar esse isolamento ocasionado pela prepon-

derância do trabalho com o fenômeno da apatia racional (rational

apathy), visto que a vida plena do ser humano, de acordo com o pen-

samento de Hannah Arendt, deveria envolver uma relação harmônica

entre a atividade do trabalho, da fabricação e da ação (relacionada ao

agir moral, reflexões, decisões), e, como o homem moderno dedica

a maior parte do seu tempo à atividade do trabalho (leia-se atividade

para manter-se vivo), pouco espaço sobra para tarefas de preserva-

ção e defesa de direitos, pouco sobra para o agir.

Nesse sentido, é muito comum deparar-se com situações ilegais

e danosas (valor mínimo de compra para cartão de crédito, cláusulas

abusivas, publicidades enganosas, assédios morais, débito automáti-

co de serviço não autorizado, descumprimento parcial de contratos)

que facilmente são aceitas com parcimônia pelas vítimas, seja porque

5 Tamanho é o isolamento do homem moderno que há pesquisas que entendem que para o filósofo MacIntyre as relações

de trabalho e de consumo não poderiam ser caracterizadas como práticas, visto que os seus componentes estão sempre em

busca de bens externos a essas práticas, como dinheiro, poder etc. Nesse sentido: “As atividades laborais de boa parte dos

habitantes do mundo moderno não podem ser compreendidas como uma prática nos termos que MacIntyre desenvolve.

Pois, ao deslocar o trabalho produtivo de dentro dos laços comunitários, se perdeu a noção de trabalho como uma arte que

contribuía para o sustento da comunidade e dos lares. (...) Por conseguinte, as relações meio-fins são necessariamente ex-

ternas aos fins daqueles que trabalham, e como já ressaltamos, as práticas com bens internos foram excluídas, assim como

as artes, as ciências e os jogos são tidos como trabalhos de uma minoria especializada” (SANTOS, 2012, p. 101/102).