

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 9 - 24, Janeiro 2017
14
Inúmeras razões contribuíram para a alienação do homem em
relação ao próximo, como a Reforma Protestante, as conquistas marí-
timas, o movimento de aglutinação nas cidades e o avanço científico,
porém nenhum desses motivos foi mais forte que o fato de o trabalho
ter se tornado a atividade mais importante da vida do homem mo-
derno, ou, em outras palavras, o
animal laborans
ter vencido o
homo
faber
na modernidade.
O
animal laborans
representa o estado do homem enquanto
mantenedor da vida e do processo biológico correlato, não se di-
ferenciando nessa condição de outros animais. É caracterizado pela
atividade do trabalho (labor), ou seja, para Hannah Arendt o trabalho
é sinônimo de ações inseridas em um ciclo de obtenção de necessi-
dades imediatas, motivo pelo qual o resultado do trabalho tem per-
manência breve no mundo “seja por meio da absorção no processo
vital do animal humano, seja por meio da deterioração (...) desapa-
recem mais rapidamente que em qualquer outra parte do mundo”
(ARENDT,
Op. Cit.
, p. 118/119).
O
homo faber
(homem fabricante) possui como atividade a obra
(
work
), por meio da qual violenta a natureza para produzir objetos
duráveis, para além de seu ciclo biológico. Nesse estado, o homem
opera sobre a natureza para produzir um conjunto de objetos artifi-
ciais com caráter permanente a serem partilhados por outros homens
(ARENDT,
Op. Cit.
, p. 169).
A transformação do trabalho como a atividade preponderante
do homem moderno, fez com que todos os valores desse homem
trabalhador (animal laborans) fossem transportados para outros
campos da vida social. Assim, o aspecto cíclico e efêmero do ho-
mem trabalhador impregnou as relações sociais, de modo que o
homem passou a não ver mais nada além de si mesmo e suas res-
pectivas necessidades, perdendo inclusive o interesse pelo aspecto
comunitário e social.
Esse desinteresse pelo outro pode claramente ser constatado
através da bifurcação de dois campos abertos de vida e reciproca-
mente excludentes: a vida social e a esfera individual: “this bifurca-
tion is itself an important clue to the central characteristics of modem
societies” (MACINTYRE,
Op. Cit.
, p. 34). No aspecto individual, os
indivíduos são soberanos em suas escolas relacionadas aos bens que