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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 9 - 24, Janeiro 2017

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Por conseguinte, essa sociedade (de massa/desinteressada)

fomentou uma grave distorção no modo como os danos são pro-

duzidos e encarados pelo Judiciário e pelas vítimas dos mesmos, já

que, por um lado, o sujeito atomizado na modernidade aceita com

parcimônia condutas danosas, especialmente as de baixo valor e in-

tensidade e, de outro lado, essa apatia racional (

rational apathy

)

1

está

imbrincada com a existência de litigantes repetitivos (

repeat players

)

2

,

que se beneficiam dessa apatia e da falta de responsabilização à al-

tura dos danos causados.

Essas duas consequências (

rational apathy e repeat players

), pelo

fato de revelarem um aspecto banalizado e padronizado da produ-

ção de danos na sociedade atual, podem ser caracterizadas preocu-

pantemente como elementos de violação de direitos (fundamentais

ou não) no bojo das relações privadas, acendendo o alerta para a

reflexão sobre se as instituições criadas pelo homem - que em última

instância servem para garantir o respeito e a concretização de bens

básicos

3

- são deficitárias em face desses fenômenos, de modo a

contribuir às “reflexões práticas daqueles que se preocupam em agir,

quer como juízes, quer como estadistas, quer como cidadãos” (FIN-

NIS,

Op. Cit.

, p. 31), um dos fundamentos do Direito Natural.

Embora esse trabalho não utilize em seu desenvolvimento os

pressupostos da teoria do Direito Natural, reconhece a importância

de refletir sobre a harmonia das categorias jurídicas e das institui-

ções que garantem direitos com um modelo de racionalidade jurídica

suficiente para impedir graves distorções morais e de fortalecer os

laços de dependência comunitária entre os membros de um deter-

minado grupo de pessoas, dimensão esta que também se encontra

no pensamento de Ronald Dworkin, especialmente quando trata das

obrigações comunitárias/associativas.

1 Expressão desenvolvida por Louis Visscher em “

Economic analysis of punitive damages

” (2009), afirmando a pertinência do

valor indenizatório de cunho punitivo de modo a causar um desestímulo ao ofensor, assim como para fazer frente a falta

de responsabilização na mesma proporção do dano causado, em especial pela apatia racional relacionada a um certo grau

de aceitação do dano e falta de vigor, disposição e tempo para buscar proteção judicial.

2 Expressão desenvolvida por Marc Galanter (1983), ao se referir a litigantes que se valem da falta de clareza do trata-

mento jurídico de determinados temas, assim como da alta probabilidade de vítimas de danos não agirem judicialmente

na defesa de seus direitos.

3 Os bens básicos são evidentes por si mesmos, inquestionáveis, são valores ou princípios que são necessários para qual-

quer boa ação do homem, além de serem fundamentais para o pleno florescimento humano. Eles servem de referência

para a avaliação das instituições criadas pelo homem (FINNIS, 2007, p. 67).