

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 101 - 129, Janeiro 2017
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pode se sobrepor, por exemplo, aos princípios da dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1ª, III), dos valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa (CF, art. 1ª, IV). Isso para não se falar na
impossibilidade de sobreposição de outros princípios setoriais,
tais como o da legalidade (CF, art. 37), com os quais deve se
harmonizar, visto que hierarquicamente nivelados.
A única aplicação juridicamente legítima que se pode fazer do
princípio da precaução é aquela que leve em consideração as
leis existentes no país e que determinem a avaliação dos impac-
tos ambientais de uma certa atividade, conforme a legalidade
infraconstitucional existente. Infelizmente, tem havido uma
forte tendência a se considerar que o princípio da precaução é
um superprincípio, que se sobrepõe aos princípios fundamen-
tais da República, tal como estabelecidos pela própria Cons-
tituição Federal, o que, evidentemente, é uma grave ruptura
da legalidade constitucional e prova de precário conhecimento
jurídico; ante a possível existência de conflito entre uma nor-
ma legal expressa e um princípio setorial, há que prevalecer a
norma positivada, salvo se ela se apresentar maculada pela in-
constitucionalidade. Observa-se que, no caso, não se trata pro-
priamente da prevalência de um princípio setorial, mas de uma
afronta à Constituição, o que é uma preliminar inafastável.
O princípio da precaução tem sido prestigiado pelo legislador
brasileiro, que, em muitas normas positivadas, determina uma
série de medidas com vistas à avaliação dos impactos ambien-
tais reais e potenciais gerados pelos diferentes empreendimen-
tos. Ainda que extremamente relevante, o que é reconhecido
por toda a doutrina brasileira e pelo nosso ordenamento jurí-
dico – o princípio da precaução não é dotado de normativida-
de capaz de fazer com que ele se sobreponha ao princípio da
legalidade (um dos princípio setoriais reitores da Administra-
ção Pública) e, especialmente, aos princípios fundamentais da
República, repita-se. A aplicação do princípio da precaução so-
mente se justifica constitucionalmente quando observados os
princípios fundamentais da República e ante a inexistência de