

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 62 - 71, out. - dez. 2016
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despesas feitas com sua criação, esses jovens seriam obrigados a servir
até os 25 ou 30 anos. Além disso, durante seus anos de serviço, o Estado
economizaria um salário de marinheiro ou soldado, maior do que o custo
anual de uma criança. O interesse estatal em cuidar de crianças não tinha
motivação humanitária e sim, econômica.
Ainda que a propaganda intensiva de Rousseau e de seus suces-
sores não tenha conseguido convencer todas as mulheres a serem mães
cuidadoras do lar e dos filhos, seu discurso teve um forte efeito. As que
se recusaram - e ainda se recusam - a obedecer aos novos imperativos
sentiram-se obrigadas a trapacear e a simular de todas as maneiras. Hou-
ve uma profunda mudança social: as mulheres passam a se sentir cada vez
mais responsáveis pelos filhos e, quando não podem assumir seu dever,
consideram-se culpadas. Rousseau obteve um sucesso muito significativo:
“a culpa dominou o coração das mulheres”. “Feita para sofrer”, como Ma-
ria, a mulher não pode encontrar melhor ocasião de exercer seus dons do
que na maternidade. O papel da esposa, embora igualmente necessário,
não é suficiente para a plena realização de sua feminilidade. Para que uma
mulher cumpra sua vocação, é preciso que seja mãe, não como outrora,
de maneira esporádica e irregular, mas constantemente, vinte e quatro
horas por dia. Para Badinter:
“a mulher não é mais identificada com a serpente do Gêne-
sis, ou a uma criatura astuta e diabólica que é preciso pôr
na linha. Ela se transforma numa pessoa doce e sensata, de
quem se espera comedimento e indulgência. Eva cede lugar,
docemente, à Maria. A curiosa, a ambiciosa, a audaciosa me-
tamorfoseia-se numa criatura modesta e ponderada, cujas
ambições não ultrapassam aos limites do lar”
(p. 175).
O que Badinter faz em sua obra é desconstruir o mito por meio
da análise das condições sociais, políticas e históricas que o criaram, de-
monstrando que não é um instituto que
sempre
esteve presente na socie-
dade. Ao contrário, mostra o pouco valor que era dado à vida das crianças
e a pouca importância que se dava aos cuidados destas. A autora questio-
na a existência do amor materno “inato” e presente em
toda e qualquer
mulher. Ela também aponta para o fato de que qualquer um pode “ma-