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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 62 - 71, out. - dez. 2016

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sob os cuidados da ama pelo período, em média, de quatro anos, sendo

raro, quando não inexistente, o contato da mãe com o filho. Logo após o

retorno ao lar originário - se não viesse a óbito - eram enviados para con-

vento ou internato para fins educacionais. Conviviam, na verdade, poucos

anos com a família.

Badinter (1985) aponta Rousseau como responsável pela cristaliza-

ção das ideias inovadoras que deram um verdadeiro impulso inicial à fa-

mília moderna fundada no amor materno. A partir de 1760 começam a se

multiplicar as publicações que recomendam às mães cuidar pessoalmente

dos filhos e lhes ordenam amamentá-los. Cresce e se fortalece o discurso

em defesa da criança. Começa a ser imposta à mulher a obrigação de ser

mãe antes de tudo e a se consolidar o mito que permanece até os dias de

hoje: o do instinto materno ou do amor espontâneo de

toda

mãe pelo fi-

lho. Por trás desse discurso, sua verdadeira razão era o alto índice de mor-

talidade infantil que, por razões políticas e econômicas, passou a ser um

problema para o Estado, entrando na ordem do dia a necessidade estatal

de reduzi-lo. Assim, a sociedade através de vários atores sociais repete,

incansavelmente, os mesmos argumentos para convencer as mulheres a

se ocuparem pessoalmente dos filhos (p. 155 e 181).

Outra referência apontada por Badinter é Monsieur de Chamous-

set, um filantropo que demonstra a linha de pensamento do séc. XVII:

“as crianças abandonadas morrem como moscas sem ne-

nhum lucro para o Estado. Pior, ainda, representam um ônus

para a nação, obrigada a mantê-las até que morram. (...) a

maioria dessas crianças morre antes de chegar a uma idade

em que se poderia extrair delas alguma utilidade”

(p. 155).

O projeto de Chamousset era o de reduzir essa mortalidade, trans-

formando essas crianças em uma força de produção rentável para a socie-

dade. Propunha, assim, que o Estado se esforce para conservá-las vivas,

que aperfeiçoe a higiene e o aleitamento artificial para que esses futuros

homens sobrevivam. Depois do desmame, toda aldeia que quisesse ser

isenta do serviço militar se encarregaria de oito dessas crianças, até que

entrassem no exército. Cada pai e cada mãe se ocupariam deles a fim de

garantir a subsistência da própria família. E para indenizar o Estado das