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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 62 - 71, out. - dez. 2016

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maneira alternada, ora simultaneamente. Temos a figura da mulher/es-

posa/mãe estritamente ligada à figura da Virgem Maria, símbolo maior

do amor materno, de pureza e abnegação. Existe, por outro lado, a sim-

bologia de Eva que remete ao pecado, à mentira, à sedução, às tentações

da carne, à vaidade. A mulher vista como culpada pela infelicidade do ho-

mem, a diabólica, a inferior, a fraca. Um verdadeiro “símbolo do Mal” (Ba-

dinter, p. 33 e 34). Uma mesma mulher pode ser vista das duas formas, de

um segundo para o outro, ou até simultaneamente, variando conforme o

ponto de vista do observador e os valores que este tem como referência.

Segundo relata a autora, os textos de Santo Agostinho evocavam

as más condições da mulher que era tida como “um animal que não é

firme, nem estável, odioso, que alimenta a maldade, fonte de todas as

discussões, querelas e injustiças”.(

ibidem

, p. 34). Em relatos de aldeões do

século XIV, extrai-se a fala de um marido que trata a mulher de porca, um

outro, apesar de sua afeição pela filha, declara que a mulher é coisa vil.

Um terceiro afirma que a alma feminina não pode ser admitida no paraíso

se não reencarnar primeiro num homem. Um quarto diz que as mulheres

são demônios. Evidentemente, esses demônios e essas porcas podiam ser

espancados à vontade posto a sua condição de semi-humanas.

Na obra de São Paulo também está presente a ideia da hierarquiza-

ção, reafirmando que a mulher deve se submeter às ordens do marido por

ter sido o homem criado em primeiro lugar e ter dado origem à mulher.

São Paulo recomendava “à esposa, como outrora Aristóteles, observar um

comportamento adequado à sua inferioridade, isto é, de modéstia e silên-

cio. Assim referendadas, as prescrições da moral eclesiástica ressaltam,

até o século XVII, a subordinação da mulher ao marido” (idem).

É possível afirmar que não existia o amor como valor familiar e social

até meados do século XVIII e essa ausência era não só referente à esposa,

mas também aos filhos, que não tinham relevância significativa. O índice

de mortalidade infantil era altíssimo (em especial no primeiro ano de vida

da criança), a morte infantil era banalizada, o foco no primogênito deixava

os demais filhos em segundo plano, a amamentação era desestimulada

e não se criava um vínculo entre mãe e filho a partir do nascimento. A

convivência familiar era muito restrita porque os bebês eram entregues a

uma ama de leite ainda recém-nascidos e passavam a residir com esta em

locais afastados da família biológica. A situação ocorria tanto em núcleos

familiares abastados quanto nos mais modestos. Permaneciam os bebês