

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 62 - 71, out. - dez. 2016
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adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades
“femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano
em sua globalidade. Que a afetividade, a emoção e a ternura
possam aflorar sem constrangimentos nos homens e serem vi-
venciadas, nas mulheres, como atributos não desvalorizados.
Que a diferença entre os sexos não se traduza em relações de
poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas
as suas dimensões”
(ALVES & PITANGUY, 2003, p. 9 e 10).
A denominada primeira onda feminista surge no século XIX por in-
fluência do pensamento iluminista, que destaca valores como igualdade
e liberdade. Em sua essência, o movimento está identificado com a rein-
vindicação da ocupação do espaço público pelas mulheres, por meio do
pleito de um direito político básico: o de votar (movimento sufragista).
A segunda onda feminista aparece nos anos 60 em meio ao movimento
hippie
, da contracultura, da descoberta da pílula anticoncepcional e da
inserção da mulher no mercado de trabalho. O movimento feminista ul-
trapassa a barreira do objetivo de ocupar espaço público e passa a ques-
tionar o papel submisso da mulher nas relações privadas.
No livro
Mística Feminina
, considerado um representante clássico
dessa segunda fase, Betty Friedan (1971) observa um profundo desajuste
entre a situação real das mulheres americanas - angustiadas e insatisfeitas
- e a imagem da mulher americana moderna, apresentada cheia de
gla-
mour
pelas revistas femininas da época. A autora questiona duramente
não só a falta de acesso, mas, principalmente, a falta de estímulo à edu-
cação das mulheres. Revolta-se com o fato de que, mesmo aquelas que se
dedicam aos estudos, o fazem direcionadas para alcançar o grande obje-
tivo e ideal de felicidade: ser mãe e esposa. As americanas, dentro desse
padrão cultural de felicidade imaginária, casavam-se muito cedo e tinham
muitos filhos. Em geral abandonavam os estudos, muitas vezes conside-
rado apenas um instrumento para obter um “bom” casamento. Aquelas
que exerciam algum tipo de atividade remunerada fora de casa não valori-
zavam seus trabalhos, nem almejavam ou ambicionavam ter uma carreira.
O provedor era o marido, o trabalho feminino era algo complementar.
A sociedade americana procurava convencer as mulheres, e também os
homens, de que o caminho “natural” da mulher para a felicidade era o
casamento e a maternidade.