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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 195 - 204, out. - dez. 2016

199

cia da

Ilíada

, outra obra creditada ao autor. O poema relata o regresso

do protagonista Odisseu - ou Ulisses, como era conhecido na mitologia

romana - um herói da Guerra de Troia que leva dez anos para chegar à

sua terra natal, Itaca, e reencontrar sua esposa Penélope. A autora extrai

dessa obra todo um referencial para a construção da visão de um herói,

de um homem perfeito que enfrenta todos os perigos e adversidades para

voltar a cumprir suas funções de soberano, marido e pai. Ou seja, para

retomar seu papel na estrutura do patriarcado.

Como apresenta a autora, Ulisses se converte num paradigma de

humanidade e de masculinidade, presentes na sociedade patriarcal gre-

ga, em que a supremacia da ideologia masculina reservava às mulheres

sempre um papel de subalternidade e de dependência. A relação entre o

masculino e o feminino converte-se num dos veios estruturantes da ação,

oferecendo um conjunto de elementos temáticos que contribuem para

uma contextualização mais ampla dos papéis designados aos homens e às

mulheres. O tempo da narrativa incorpora à longa aventura do herói mui-

tos perigos desconhecidos e ameaçadores que retardam aquela viagem

de regresso a casa, perigos esses representados pelo feminino (Idem, p.

6). Os poderes sobrenaturais com que o herói da Odisseia se confronta

nas suas aventuras oceânicas, assumem, na maior parte dos casos, uma

forma feminina - Circe e Calipso, Cila e Carídbis e as Sereias. São figuras

femininas sobrenaturais que simbolicamente representam um dos obstá-

culos mais difíceis que um homem poderia enfrentar: o poder de sedução

feminina e tudo o que ele lhe poderia oferecer (Idem, p. 8).

Assim, na Odisseia o elemento feminino detém uma presença forte

e multifacetada: as mulheres, deusas ou humanas (a virtuosa e sensata

esposa Penélope), representam o perigo da morte, ou a possibilidade de

vida, os obstáculos que interrompem a viagem do herói ou as condições

que não lhe permitem chegar a porto seguro (Idem, p. 19). E todas se

submetem a Ulisses, ao homem-herói, sendo vencidas em suas tentativas

de aprisioná-lo ou se mantendo fiel ao marido, ao pai, ao filho, ou seja, à

função social que lhe cabe desempenhar.

Na Idade Média a Igreja passa a buscar culpados a quem atribuir

a responsabilidade por todos os males e má sorte que estão acometen-

do a humanidade. A princípio sua preocupação eram as heresias, mas as

constantes denúncias de acontecimentos de bruxarias praticados por mu-

lheres obrigaram os inquisidores a incluí-las nesse rol. Segundo Cardini