

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 114 - 127, out. - dez. 2016
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desconhecimento do potencial tóxico das drogas proibidas.
Overdoses
acontecem, na maior parte dos casos, em razão do desconhecimento da-
quilo que se está consumindo.
Por outro lado, a ilegalidade cria a necessidade de aproveitamento
imediato de circunstâncias que permitam um consumo que não seja des-
coberto, o que incentiva a falta de cuidados e higiene, com consequências
que aparecem especialmente na difusão de doenças transmissíveis como
a Aids e a hepatite. Além de criar a atração do proibido, acabando por
incentivar o consumo por parte de adolescentes, a proibição dificulta o
diálogo e a busca de esclarecimentos e informações entre estes e seus
familiares e educadores. A proibição ainda dificulta a assistência e o tra-
tamento eventualmente necessários, seja ao impor ineficazes e ilegítimas
internações compulsórias, seja ao inibir a busca voluntária do tratamento,
por pressupor a revelação da prática de uma conduta tida como ilícita.
Muitas vezes, essa inibição tem trágicas consequências, como em episó-
dios de
overdose
em que o medo daquela revelação paralisa os compa-
nheiros de quem a sofre, impedindo a busca do socorro imediato.
A proibição e sua guerra provocam danos ambientais, seja direta-
mente com a erradicação manual das plantas proibidas ou pior, com as
fumigações aéreas de herbicidas sobre áreas cultivadas, como ocorreu e
ainda ocorre na região andina, seja indiretamente, ao provocar o desflo-
restamento das áreas atingidas e levar os produtores a desflorestar novas
áreas para o cultivo, geralmente em ecossistemas ainda mais frágeis.
É preciso promover uma profunda reforma das convenções interna-
cionais e das legislações internas, para pôr fim à ilegítima, irracional, noci-
va e sanguinária política de ‘guerra às drogas’, que, além de não funcionar
em sua inviável pretensão de salvar as pessoas de si mesmas, produz de-
masiada violência, demasiadas mortes, demasiadas prisões, demasiadas
doenças, demasiada corrupção, demasiadas discriminações, demasiada
opressão, demasiadas violações a direitos humanos fundamentais.
É preciso legalizar e consequentemente regular e controlar a produ-
ção, o comércio e o consumo de todas as drogas.
Legalizar não significa permissividade ou liberação, como insinuam
os enganosos discursos dos partidários da fracassada e danosa proibição.
Ao contrário. Legalizar significa exatamente regular e controlar, o que hoje
não acontece, pois um mercado ilegal é necessariamente desregulado e
descontrolado. Aliás, poder-se-ia mesmo dizer que ‘liberado’ é exatamen-