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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 114 - 127, out. - dez. 2016

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Relatório da Anistia Internacional revela que eram negros 79% das 1.275

vítimas de homicídios decorrentes de operações policiais de ‘combate ao

tráfico’ na cidade do Rio de Janeiro, no período 2010/2013. O mesmo re-

latório revela que, no ano de 2014, a grande maioria de ocorrências dessa

natureza se concentrou nas áreas mais pobres da cidade, nas zonas norte

e oeste: praticamente 80% dos 244 homicídios registrados ocorreram nas

áreas de Irajá, Bangu, Olaria, Rocha Miranda, Méier e Santa Cruz

14

.

Do outro lado da guerra, do lado dos policiais, não há dados so-

bre as condições socioeconômicas, os locais de moradia ou a cor da pele

dos mortos. São mortes encaradas com naturalidade:

durante campanha

para as eleições ao cargo de governador do Estado do Rio de Janeiro em

2014, um candidato disse durante um debate: “policial morto; farda em

outro”, sem que houvesse qualquer repúdio imediato, quer por parte da

imprensa, quer por parte da maioria das entidades de defesa de direitos

humanos

15

,

como se ser morto fosse uma mera contingência do trabalho

policial. Essa naturalidade explica a falta de dados. Mas, certamente, se

fosse feito algum levantamento, provavelmente os indicadores não se-

riam muito diferentes dos apontados em relação aos ‘inimigos’.

Mas, além de provocar violência, mortes, discriminação, encarcera-

mento massivo, ao tomar a irracional decisão de enfrentar um problema

de saúde com o sistema penal, o Estado agrava esse próprio problema de

saúde. Em outro de seus paradoxos, a proibição causa maiores riscos e

danos à mesma saúde que enganosamente anuncia pretender proteger.

Com a proibição, o Estado acaba por entregar o próspero mercado

das drogas tornadas ilícitas a agentes econômicos que, atuando na clan-

destinidade, não estão sujeitos a qualquer limitação reguladora de suas

atividades. A ilegalidade significa exatamente a falta de qualquer contro-

le sobre o supostamente indesejado mercado. São esses criminalizados

agentes – os ditos ‘traficantes’ – que decidem quais as drogas que serão

fornecidas, qual seu potencial tóxico, com que substâncias serão mistura-

das, qual será seu preço, a quem serão vendidas e onde serão vendidas.

No mercado ilegal não há controle de qualidade dos produtos comercia-

lizados, o que aumenta as possibilidades de adulteração, de impureza e

14 Anistia Internacional. “Você matou meu filho! – Homicídios cometidos pela polícia militar no Rio de Janeiro”.

2015.

https://anistia.org.br/direitos-humanos/publicacoes/voce-matou-meu-filho/.

15 Ver Informe da LEAP BRASIL:

http://www.leapbrasil.com.br/noticias/informes?ano=2014&i=311&mes=12.