

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016
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Cabe anotar que a ocorrência de certa confusão patrimonial entre
as empresas do mesmo grupo econômico é praticamente inevitável e irá
ocorrer em maior ou menor grau, pois está ínsita no próprio sentido da
atuação econômica conjunta
31
. Na lição expressada por João Pedro Scal-
zilli,
“no grupo econômico de subordinação, as sociedades controladas
perdem grande parte de sua autonomia de gestão empresarial em função
da persecução do interesse geral do grupo”
, acrescentando:
“essa perda
de autonomia de gestão tende quase que inexoravelmente por se traduzir
em perda de autonomia patrimonial, haja vista que os patrimônios sociais
tendem a se confundir”
32
. Assim, existirá permanentemente uma tensão
que caracterizará esta questão no sentido de estimular ou não a aplicação
da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no grupo econô-
mico, que terá de ser solucionada, em cada caso concreto, pelo julgador.
No sistema brasileiro, as empresas componentes do mesmo grupo não
possuem, como regra geral, responsabilidade solidária pelos débitos as-
sumidos pelas demais empresas do grupo, de forma que essa tensão se
torna ainda mais latente.
4.2. A teoria maior e teoria menor na temática da desconsideração da
personalidade jurídica
O mosaico referente à normatização da doutrina da desconsideração
propiciou a consolidação de duas teorias propostas por Fábio Ulhoa Coelho
para sistematização do tema
33
. Na visão deste autor há duas possiblidades
de efetivação da
disregard doctrine
, chamadas de
teoria maior e menor
.
autonomia da pessoa jurídica de sociedades componentes de um grupo econômico, é o da confusão aparente de
personalidades. O autor explica que
“não apenas a confusão interna - isto é, quando os administradores são comuns,
as assembleias gerais reúnem-se no mesmo local e, praticamente, no mesmo horário; as empresas possuem depar-
tamentos unificados e os empregados recebem ordens, indistintamente, de várias administrações, não sabendo ao
certo para quem trabalham - mas também a confusão externa, ou seja, a sua apresentação perante terceiros”. O
autor cita como exemplo uma decisão da Corte de Cassação Francesa, de 1929, em que foi reconhecida a confusão
patrimonial, com a consequente extensão da responsabilidade pelos débitos de uma sociedade a outra, conside-
rando o fato de as duas sociedades possuírem razões sociais praticamente idênticas, a mesma sede social, mesmas
sucursais, mesmo número de telefone e mesma assinatura em sua correspondência”
(p. 497-498).
31 Fábio Konder Comparato explica que
“o interesse individual de uma sociedade é sempre subordinado ao interesse
geral do complexo de empresas agrupadas. Com isso, são praticamente inevitáveis as transferências de um ativo de
uma sociedade à outra, ou uma distribuição proporcional de custos e prejuízos entre todas elas. O dilema do direito
tradicional é, pois, muito claro: ou se aplicam, rigidamente, as normas editadas para o funcionamento de uma socie-
dade isolada, tornando ilegal ou abusiva essa confusão patrimonial, e condenando, portanto, o grupo econômico a
uma vida à margem da norma jurídica; ou, ao contrário, suspende-se, completamente, a aplicação dessas normas,
e, em consequência, os interesses, tanto dos não controladores quanto dos terceiros credores, ficam ao desamparo”
(op. cit.
, p. 499).
32
Confusão patrimonial no direito societário
, São Paulo: Quartier Latin. 2015, p. 144.
33
Desconsideração da personalidade jurídica
, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.