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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016

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conforto, afirmou: “Não tinha banheiro mesmo. Mas aí, óbvio, foi só man-

dar construir um”.

Afirma também, como Magui, que a recepção dos colegas da Pri-

meira Instância foi bastante tranquila, ao contrário de sua chegada na

Segunda, que se deu em 1995. Ainda que numa parte de sua entrevista

afirme que, na sua perspectiva, ser vítima de preconceito de gênero pa-

rece ser decorrência do “posicionamento que a própria mulher assume”,

afirma, na verdade, que vivenciou sim esse tipo específico de preconceito,

especialmente por parte dos advogados e desembargadores:

“Sempre fui muito bem recebida pelos meus colegas de Pri-

meira Instância. Pelos colegas de Segunda Instância, com

uma certa reserva. Havia entre eles mais preconceito pela

admissão de mulheres na magistratura. No dia a dia, alguns

advogados foram folgados, achando que, pelo fato de ser

mulher, poderiam falar de qualquer jeito. Já mandei até ad-

vogado se retirar de audiência. Com o homem, era excelên-

cia prá cá, excelência prá lá. Com a mulher, o tratamento já

era com um certo desrespeito. Isso foi durante um período.

Hoje mudou.”

Seu comportamento ao longo da carreira, ainda que de maneira

um pouco diferente de Magui Azevedo, foi de também não destacar sua

diferença de gênero, reafirmando todo o tempo a sua igualdade em ter-

mos de competência profissional. Excedendo em intensidade a postura

da primeira entrevistada, que pareceu levar essa questão do apagamento

de gênero de uma forma discreta, quase que tácita, Zélia reafirmou-a em

diversas situações, inclusive colocando-a como parâmetro de comporta-

mento ideal para a categoria “dos magistrados”. O problema é que ideia

de pensar através de uma “neutralidade” só se aplica à categoria “ma-

gistradas mulheres”, haja vista que o parâmetro de gênero que pauta a

instituição é notadamente masculino, muito embora seja falsamente in-

terpretado como neutro.

Ainda que no espaço deste artigo não caiba trazermos todas as

percepções da entrevistada, é interessante perceber como, contraditoria-

mente, Zélia, mesmo sendo mulher, em diversos momentos reproduziu e

endossou a forma e a imagem patriarcal do judiciário paulistano. Muito